O dia da desilusão
Tire o maior proveito desta Meditação seguindo os passos
para se fazer a Oração Mental proposta por Santo Afonso!
Sumário. O dia da morte é chamado dia de desilusão, porque nesse dia de verdade, à luz da vela mortuária, se vêem as coisas deste mundo bem diferentes do que agora nos aparecem. Se, pois, quisermos avaliar bem as honras, as dignidades, os prazeres, as riquezas, imaginemos estar no leito de morte; contemplemos dali os bens deste mundo e digamos: No fim da vida não se fará caso de tudo isso, mas somente daquilo que nos acompanha para a eternidade: De que serve ao homem ganhar o mundo inteiro?
I. Coisa maravilhosa! Quão grande é a prudência dos mundanos no que diz respeito aos bens da terra! Quantos passos não dão para adquirirem tal emprego, tal fortuna! Quantos cuidados para conservar a saúde do corpo! Mas que descuido pelo que diz respeito à alma; para a eternidade nada querem fazer! E no entanto é certo que a saúde, as dignidades, as riquezas devem acabar um dia, ao passo que não tem fim nem a alma nem a eternidade.
Mais cedo ou mais tarde chegará o dia da desilusão. Ó Deus, ao clarão da vela mortuária conhece-se a verdade e confessam os mundanos a sua loucura. Então não há nenhum que não exclame: Ah! Porque não deixei tudo para me santificar! – O papa Leão XI dizia na hora da morte: Melhor fora para mim ter sido porteiro num convento do que papa. Onório III, também papa, dizia igualmente na hora da morte: Antes tivesse ficado na cozinha de meu convento para lavar a louça.
Filippe II, rei de Espanha, estando para morrer, mandou chamar o filho, e entreabrindo as vestes seaes, mostrou-lhe o peito roído de vermes, dizendo:
Depois exclamou:
Ao mesmo tempo mandou lançar ao pescoço uma corda da qual pendia uma cruz de madeira, e tendo disposto tudo para a morte, acrescentou:
Esse filho, depois Filippe II, quando por sua vez estava para morrer na idade de 23 anos, disse:
Em seguida exclamou:
De que servem, porém, tais desejos na hora da morte, senão para maior mágoa e desespero do que não amou a Deus durante a vida?
II. Com razão dizia Santa Teresa: Não se deve fazer caso das coisas que acabam com a vida; a verdadeira vida consiste em viver de tal modo que não se tenha de recear a morte. Se desejamos ver o que valem os bens da terra, consideremo-los com os olhos fitos na morte e digamos: as honras, as dignidades, os prazeres, as riquezas acabarão um dia: assim atendamos em nos fazer santos e ricos daqueles bens que nos acompanharão para a eternidade e nos tornarão contentes para sempre.
Ah, meu Redentor, padecestes tantos sofrimentos e ignomínias por meu amor, e eu amei tanto os prazeres e bens passageiros deste mundo, que por causa deles cheguei a calcar aos pés a vossa graça. Mas se Vós, quando eu Vos desprezava, não deixastes de me procurar, não posso temer, ó meu Jesus, que me repeleis agora que Vos procuro e Vos amo de todo o coração e me arrependo mais de Vos ter ofendido do que se tivesse sofrido qualquer outra desgraça.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 99-101)