Sumário. Devemos considerar bem que o Senhor é a Sabedoria infinita, que sabe tirar o bem do mal. Por isso, o que nós chamamos um mal, é as mais das vezes uma graça singular. De tantas crianças que hoje veneramos sobre os altares e que formam a corte de Jesus, se não tivessem sido mortas por Herodes, quem sabe quantas no tempo da Paixão teriam gritado: Crucifige eum: Crucifica-o; quantas se teriam condenado!
I. Depois que os Magos ofereceram os seus presentes místicos ao Menino Jesus, foram avisados em sonho pelo anjo, que não voltassem a Herodes, como tinham prometido, mas que por outro caminho voltassem para sua pátria. Por isso o príncipe cruel, receoso de que Jesus lhe quisesse tirar o reino, e vendo que os Magos o haviam enganado, irritou-se fortemente e mandou que fossem mortos todos os meninos que havia em belém e em todo o seu termo, que tivessem dois anos e dai para baixo, segundo o tempo que havia colhido das informações dos Magos: Mittens occidit omnes pueros – Enviando emissários mandou matar todos os meninos.
Considera aqui os profundos juízos de Deus. Encarando a matança dos Inocentes com olhos humanos, não se sabe explicar como é que o Senhor, que é um Pai amoroso, pode ver tantas mães em desolação e uma cidade inteira com os seus contornos inundada de sangue inocente. – Devemos, porém, ponderar que Deus é a Sabedoria infinita, que sabe tirar o bem do mal. O que nós chamamos um mal, é as mais das vezes uma graça singular. Quantos dentre os Meninos inocentes teriam levado vida cheia de trabalhos e afinal talvez se tivessem condenado! Alguns talvez tivessem chegado ao extremo de tomar parte na Paixão do Redentor e gritado com os outros judeus: crucifige eum – crucifica-o. Em lugar disso, com a morte padecida por causa de Jesus Cristo, ficou-lhes segura a eterna salvação. Mais, são a corte nobre do Deus Menino e com suas pequeninas palmas adornam o berço do Cordeirinho imaculado. Pelo que Santo Agostinho diz que
Regozija-te com os Santos inocentes, que glorificaram Jesus, derramando o seu sangue, e não podendo anunciar com a língua o nascimento do Filho de Deus, anunciaram-no com a sua morte. E tu, convence-te bem de que tudo o que te faz segura a eterna bem-aventura, é uma grande graça, muito embora aos olhos humanos se te afigure miséria e prejuízo.
II. Quando na Judeia se executava o ímpio mando da matança dos Inocentes, Jesus Menino já estava fora de perigo. Porque “apareceu um anjo do Senhor em sonhos a José e lhe disse: Levanta-te, e toma contigo o Menino e sua Mãe, e foge para o Egito e fica lá até que eu te avise; porque Herodes procurará o Menino para o matar. E, levantando-se José, tomou consigo, ainda de noite, o Menino e sua Mãe, e retirou-se para o Egito” (1). Contempla como o divino Menino devia sentir a crudelidade de que Herodes usava para com os Inocentes mortos por usa causa. Toda a facada que traspassava as entranhas daquelas criancinhas, também lhe feria o coração.
Desde então ficou decretado o castigo do autor de tamanha barbaridade. Com efeito, por causa de tão horrível carnificina, Herodes tornou-se objeto de opróbrio e de execração do mundo inteiro, ao passo que fez mais conhecida a natividade do Messias, porque a morte de tantas crianças lhe foi o mais claro testemunho. Além disso deus deixou Herodes morrer de uma doença asquerosa e nojenta. Nasceram-lhe no corpo um número incalculável de bichos, que o devoravam vivo e causavam um fedor insuportável, preludio daquele que em breve havia de atormentá-lo eternamente no inferno. Eis a que estado de desgraça foi reduzido Herodes por se ter deixado dominar pela ambição desregrada de reinar. – Afim de que não te colha semelhante desgraça, examina qual seja a tua paixão dominante, a soberba ou a inveja ou a ira… e faze o firme propósito de nunca tomares uma decisão qualquer enquanto teu coração estiver em agitação e as paixões excitadas. Para obteres a graça de o executar, roga ao Senhor pela intercessão dos Santos Inocentes.
Referências:
(1) Mt 2, 13
(2) Or. festi.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 91-94)