sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Santo do dia

 Foi na solidão do claustro e através dos exercícios das virtudes monásticas que a maioria dos grandes bispos se preparou para suas obras apostólicas. Segundo o autor da Imitação, o retiro os ensinou a aparecer, o silêncio a falar, a obediência a comandar.


1 de março: Saint Aubin, Bispo de Angers (470-550)


Saint Aubin nasceu na diocese de Vannes. Sua infância, cheia de todas as graças do Senhor, prenunciava sua futura santidade; Desde muito jovem ele não conhecia frivolidades nem defeitos, e assim que aprendeu a andar, foi para ir até Deus e orar a Ele à parte, longe do barulho, na companhia dos Anjos.


Tais começos mostraram suficientemente que o piedoso Aubin não foi feito para o mundo; Para grande desespero de sua nobre família, um dia ele foi visto deixando a casa de seu pai e indo para um mosteiro. Ali, suas vigílias, seus jejuns e suas orações logo o elevaram a tal perfeição que ele superou em muito os mais antigos e fervorosos religiosos.


Acima de tudo, admirávamos sua constante contemplação. Seus olhos foram abertos somente para Deus; No mosteiro ele não tinha consciência do que acontecia ao seu redor, e lá fora, quando precisava sair, fazia um delicioso retiro em seu coração, onde continuava suas conversas celestiais.


Um dia, o abade do mosteiro o enviou para uma aldeia vizinha. Enquanto ele cumpria sua missão, caiu uma quantidade tão grande de chuva sobre a casa onde ele tinha vindo que o telhado se abriu e todas as pessoas presentes ficaram encharcadas: somente Aubin, para admiração de todos, foi poupado; nem uma gota de água caiu sobre ele.


Abade do mosteiro aos trinta e cinco anos, ele reavivou entre seus irmãos o fervor dos primeiros tempos e os levou, com sua doçura e seu exemplo, a uma rara perfeição, mesmo nos conventos mais austeros.


Mas, tendo morrido o bispo de Angers, o clero e o povo desta diocese, a quem a fama da santidade de Aubin havia chegado, elegeram-no por unanimidade, e ele teve que dobrar os ombros sob o pesado fardo do episcopado.


Se fosse possível saber, entre tantas virtudes que ele praticou em sua nova vida, qual era sua virtude dominante, dir-se-ia que era a caridade. Ela era, de fato, infinita para com os infelizes, os prisioneiros, os doentes, os pobres, e muitas vezes Deus a recompensava com os milagres mais impressionantes. Aqui está um exemplo:


O caridoso pastor foi um dia às prisões da cidade para resgatar uma pobre senhora, perseguida por seus credores. Diante do Santo, os guardas se afastam para deixá-lo passar; só um quer teimosamente negar-lhe a entrada; mas o Pontífice sopra no rosto deste homem insolente, que cai morto a seus pés; então ele libertará o prisioneiro e pagará suas dívidas.


Abadia de Saint-Aubin de Angers (França)


quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Santo do dia

 

 É a caridade que faz a diferença entre os verdadeiros cristãos e aqueles que são cristãos apenas de nome.


28 de fevereiro: São Romain (460) e São Lupicin (480), abades de Condat


São Romain e São Lupicin nasceram em uma família honesta, no final do século IV, na atual diocese de Belley; que inclui, portanto, dois santos franceses.


A juventude de Romain permaneceu livre de toda corrupção do século. Depois de se ter colocado durante algum tempo sob a orientação de um santo abade, que o fez estudar seriamente a vida cenobítica, retirou-se, aos trinta e cinco anos, para Condat, nas florestas do Jura, onde levou a vida dos antigos anacoretas, no meio das feras selvagens e esquecido pelo mundo, que ele próprio tinha esquecido primeiro. Mas isso era, nos desígnios de Deus, apenas uma preparação: a vocação de Romain era fundar mosteiros onde se veriam florescer todas as maravilhas de santidade realizadas durante mais de dois séculos nos desertos do Oriente. O primeiro de seus discípulos foi seu irmão Lupicin.


Deus deu aos dois irmãos características muito diferentes; Por mais gentil e indulgente que Romain fosse, Lupicin era firme e rígido, e alguém poderia acusá-lo de excesso, se ele não fosse ainda mais duro consigo mesmo do que com os outros. Em ambos os Santos, essas divergências foram sempre, surpreendentemente, acompanhadas de uma união perfeita. Se Lupicin pareceu ter passado dos limites, Romain estava lá para reconciliar tudo; Se precisasse de um reforço de energia, Romain recorria a Lupicin, cujo braço de ferro derrubava qualquer obstáculo.


Certo ano, quando as colheitas foram muito abundantes, os monges relaxaram sua abstinência e não cederam às gentis observações de Romain. O santo abade confiou o assunto ao seu irmão, que por um certo tempo serviu à comunidade apenas mingau de cevada não preparado. Doze monges deixaram o mosteiro, os outros recuperaram o fervor. Romain chorou por seus doze monges e reclamou com seu irmão; Ele derramou tantas lágrimas e fez tantas orações que os doze fugitivos retornaram e levaram uma vida austera e edificante.


Um dos religiosos mais antigos o repreendeu um dia por receber com demasiada facilidade todos os súditos que se apresentavam, correndo o risco de não ter mais espaço para acolher os súditos de elite: "Meu irmão", disse-lhe o Santo, "só Deus discerne as profundezas dos corações, confiemos nele. Acolhamos todas essas ovelhas que o divino Pastor nos envia e, com o nosso zelo, conduzamo-las conosco até as portas do Paraíso".


Abadia de Romainmôtier fundada por São Romain e São Lupicin (Suíça)


   São Romão, que viveu no século 5, foi o primeiro eremita que existiu na França. Natural de Borgonha, entrou bem cedo no célebre e mais antigo mosteiro da França, Ainay.
  Tendo aprendido os princípios da vida religiosa, retirou-se para a solidão, num lugar chamado Condat, entre a Suíça e Borgonha, onde mais tarde se lhe associou o irmão, Lupicino. Algum tempo viveram juntos, entregues às práticas religiosas, quando começaram a experimentar impertinentes perseguições do demônio, que procurou assustá-los de mil modos. Bastante incomodados com as artimanhas do inimigo, retiraram-se daquele lugar, em demanda de um outro. Surpreendidos pela noite, hospedaram-se na choupana de uma pobre mulher. Esta, sabendo do motivo da fuga, disse-lhes: “Fizestes mal em ter abandonado a vossa casa. Se tivésseis lutado com mais coragem e pedido sossego a Deus, teríeis vencido as insídias do demônio”.  Envergonhados com esta advertência, voltaram ao lugar de onde tinham saído e de fato nunca mais o demônio os incomodou.
  A fama dos dois santos homens chamou muita gente ao lugar onde estes moravam, uns para pedir conselho, oração e consolo, outros, a estes em maior número, para, sob sua direção, levar uma vida em Deus. Santo Hilário tinha conferido a Romão as ordens do sacerdócio. Junto com seu irmão Lupicino fundou três conventos: o de Condat, hoje Santa Claude, o de Laucone e de la Baume. Ao redor deste último se agrupou a cidadezinha de St. Romain-de-Roche. Estes conventos gozavam de grande reputação na França, devido ao bom espírito, à vida santa que lá se levava.São Romão era para todos o modelo de perfeição.
  Em certa ocasião fez uma romaria ao túmulo de São Maurício e levou em sua companhia o monge Paládio. À noite os surpreendeu e tiveram de abrigar-se numa gruta, que servia de albergue a dois leprosos. Grande foi o espanto destes, ao avistarem os dois religiosos na pobre habitação. Romão, para convencê-los de que nada precisavam temer, abraçou-os e beijou-os com muito afeto. Quando, no dia seguinte, os romeiros se despediram dos pobres lázaros, Romão fez o sinal da cruz sobre eles e no mesmo momento a lepra os deixou.
  Este grande milagre aumentou ainda mais o grande conceito do Santo, em que o tinha todo o povo. Romão, porém muito se aborreceu com as honras de que o fizeram alvo e retirou-se para o convento de St. Claude, onde morreu no odor de santidade.

Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I

Amor de Jesus em querer satisfazer por nós

Dilexit nos, et tradidit semet ipsum pro nobis oblationem et hostiam Deo – “(Jesus) amou-nos e se entregou a si mesmo por nós em oblação e como hóstia para Deus” (Ef 5, 2)

Sumário. Nunca se deu, nem se dará jamais, no mundo outro fato semelhante ao que está consignado nos Evangelhos. Estando o homem por sua própria culpa condenado à morte eterna, o Filho de Deus pediu e obteve de seu divino Pai, que o deixasse tomar a natureza humana e pagar com a própria morte as penas devidas ao homem. Que te parece, irmão meu, este amor do Filho e do Pai? Todavia, a maior parte dos homens, talvez tu também, não responderam a tamanho amor senão com ingratidão.

I. A história refere um fato de um amor tão prodigioso que será a admiração de todos os séculos. Um rei, senhor de muitos reinos, tinha um filho único, tão belo, tão santo, tão amável que era as delícias do pai, que o amava tanto como a si mesmo. Ora, este jovem príncipe tinha tão grande afeição a um de seus escravos, que tendo aquele escravo cometido um crime, pelo qual foi condenado à morte, o príncipe se ofereceu a morrer em seu lugar. E o pai, zeloso dos direitos da justiça, consentiu em condenar à morte seu filho bem-amado, afim de que o escravo escapasse do suplício que havia merecido. A sentença foi executada: o filho morreu no patíbulo, e o escravo ficou salvo.

Este fato, que não teve e nunca terá outro semelhante no mundo, está consignado nos Evangelhos. Ali se lê que o Filho de Deus, o Senhor do universo, vendo o homem condenado, pelo seu pecado, à morte eterna, quis tomar a natureza humana, e pagar com a sua morte os castigos devidos ao homem: Oblatus est, quia ipse voluit (1) ― “Ele foi oferecido, porque o quis”. E o Pai Eterno deixou-o morrer sobre a cruz para nos salvar a nós, miseráveis pecadores: Proprio Filio non pepercit, sed pro nobis omnibus tradidit illum (2) ― “Não perdoou a seu próprio Filho, mas entregou-o por nós todos”. Que te parece, alma devota, este amor do Filho e do Pai?

Desta sorte, meu amável Redentor, morrendo quisestes sacrificar-Vos para me alcançar o perdão! E que Vos darei eu em reconhecimento? Vós me haveis obrigado demais a amar-Vos, e eu seria demais ingrato, se Vos não amasse de todo o meu coração. Vós me haveis dado a vossa vida divina, e eu, miserável pecador como sou, Vos dou a minha. Sim, ao menos tudo o que me resta de vida, quero empregá-lo unicamente em amar-Vos, obedecer-Vos e agradar-Vos.

II. O que abrasava mais São Paulo de amor para com Jesus era a lembrança de que ele quisera morrer, não só por todos os homens em geral, mas ainda por ele em particular. Dilexit me, et tradidit semetipsum pro me (3). ― Ele me amou, dizia, e se entregou por mim. Cada um de nós pode dizer outro tanto; porque São João Crisóstomo assegura que Deus ama tanto cada um de nós, como ama o mundo inteiro. Assim, cada cristão não está menos obrigado a Jesus Cristo, por ter padecido por todos, do que se houvera padecido só para ele.

Meu irmão, se Jesus Cristo tivesse morrido somente para te salvar, deixando os outros na sua perda original, que obrigação Lhe não devias tu? Deves, porém, saber que Lhe és ainda mais obrigado por ter morrido por todos. Se ele só por ti houvesse morrido, que dor não seria a tua, pensando que teus próximos, teu pai e mãe, teus irmãos e amigos, pereceriam eternamente e que depois desta vida seríeis separados para sempre? Se fosses feito escravo com toda a tua família e alguém viesse a resgatar-te a ti somente, quanto lhe não pedirias que resgatasse também teus pais e irmãos! E quanto lhe não agradecerias, se ele o fizesse para te agradar! Dize, pois, a Jesus:

Ah! Meu doce Redentor, Vós fizestes isso por mim, sem eu Vo-Lo ter pedido. Não somente me resgatastes da morte a preço de vosso sangue, também aos meus parentes e amigos, de sorte que me é permitido esperar que, reunidos todos, juntos gozaremos de Vós para sempre no paraíso. Senhor, eu Vos agradeço e Vos amo e espero agradecer-Vos e amar-Vos eternamente nessa bem-aventurada pátria.

― Ó Maria, ó minha Mãe das dores, obtende-me a santa perseverança. Fazei-o pelo amor de Jesus Cristo.

Referências:
(1) Is 53, 7
(2) Rm 8, 32
(3) Gl 2, 20

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 274-277)

Santo do dia

27 e 28 ano bisexto de fevereiro dia de São Gabriel de Nossa Senhora das Dores

São Gabriel de Nossa Senhora das Dores, a quem Leão XIII chamava o São Luiz Gonzaga de nossos dias, nasceu em Assis a 1 de março de 1838, filho de Sante Possenti di Terni e Inês Frisciotti. No mesmo dia que viu a luz do mundo, recebeu a graça do batismo, na mesma pia, em que foi batizado o grande patriarca S. Francisco, na Igreja de S. Rufino. O pai do Santo, já com vinte e dois anos era governador da cidade de Urbânia, cargo que sucessivamente veio a ocupar em S. Ginésio, Corinaldo, Cingoli e Assis. Como um dos magistrados dos Estados Pontifícios, gozava de grande estima do Papa Pio IX e Leão XIII honrava-o com sua sincera amizade. A mãe era de nobre família de Civitanova d’Ancona. Estes dois cônjuges apresentavam modelos de esposos cristãos, vivendo no santo temor de Deus, unidos no vínculo de respeito e amor fidelíssimo, que só a morte era capaz de solver. Deus abençoou esta santa união com treze filhos, dos quais Gabriel era o undécimo. Este, no batismo recebeu nome de Francisco, em homenagem a seu avô e ao Seráfico de Assis. Dando testemunho da educação que recebiam na família, no Processo da beatificação do Servo de Deus, os seus irmãos declararam: “Nós fomos educados com o máximo cuidado, no que diz respeito à piedade e à instrução. Nossa mãe era piedosíssima e nos educou segundo as máximas da nossa santa Religião”. Nos braços, sobre os joelhos de uma mãe profundamente religiosa o pequeno Francisco aprendeu os rudimentos da vida cristã e pronunciar os santos nomes de Jesus e Maria.
 A grande felicidade que na infância reinava, experimentou um grande abalo, quando inesperadamente o anjo da morte veio visitar aquele lar e arrebatar-lhe a mãe. D. Inês sentindo a última hora se aproximar, na compreensão do seu dever de mãe cristã reuniu todos os filhos à cabeceira do leito mortal, estreitou-os, um por um, ao seu coração, selou a sua fronte com o último beijo, deu-lhes a bênção, distinguindo com mais carinho os de tenra idade, entre estes, Francisco; munida de todos os sacramentos, confortada pela graça de Deus, na idade de 38 anos deixou este mundo, para, na eternidade, perto de Deus, receber o prêmio de suas raras virtudes. Do pai, o próprio filho Francisco ao seu diretor espiritual deu o seguinte testemunho: Meu pai, declarou, tinha por costume levantar-se bem cedo. Dedicava uma hora à oração e meditação; se neste tempo alguém desejava falar-lhe, havia de esperar pelo fim das práticas religiosas. Terminadas estas, ia à igreja assistir a santa Missa e costumava levar consigo dos filhos os que não fossem impedidos. Finda a santa Missa metia-se ao trabalho. À noite reunia seus filhos e dava-lhes sábios conselhos e úteis exortações. Falava-lhes dos deveres para com Deus, do respeito devido à autoridade paternal e do perigo das más companhias. “Os maus companheiros, dizia ele, são os assassinos da juventude, os satélites de Lúcifer, traidores escondidos e por isso para os temer e deles ter cuidado”. 
  Os biógrafos de Francisco fazem ressaltar em primeiro lugar a extraordinária bondade de coração do menino, principalmente para com os pobres. Muitas vezes ficou ele sem a merenda, por tê-la dado aos pobres. Entre seus irmãos era ele o anjo da paz, sempre pronto para desculpar e para defendê-los, quando acusados injustamente. Não suportava a injúria, fosse ela atirada a si ou a um dos seus. Com a maior facilidade se desfazia de objetos de certo valor, com que tinha sido homenageado. Assim presenteou a um de seus irmãos de uma bela corrente de prata, que tinha recebido de um parente. Estes belos traços no caráter de Francisco não afastam certas sombras que nele subsistiam também. Os que o conheciam meigo, bondoso, compassivo, sabiam-no também ser nervoso, impaciente, irascível. Por felicidade sua o senhor Sante, seu pai não era daqueles que desculpam os caprichos de seus filhos, pretextando serem crianças, sem pensar que mais tarde terão de pagar bem caro esta condescendência e fraqueza. O verdadeiro amor cristão fê-lo combater sem tréguas todos os defeitos. 
 Francisco era obediente e tinha grande respeito ao pai, o que aliás não impedia que diante de uma severa repreensão desse largas ao seu gênio impulsivo, com palavras e gestos demonstrando o seu descontentamento, sua raiva. Mas tudo isto era fogo fátuo. Logo voltava às boas; sua boa índole não permitia, que estas revoltas interiores durassem muito tempo. Era encantador ver, momentos depois, o menino desfeito em pranto, procurar o pai e por seus modos ingênuos e infantis, assegurar-se do perdão e do amor do Sr. Sante. Este, fingindo não dar crédito a estas demonstrações, retrucava bruscamente: “Nada de carícias; quero ver fatos”. Então o menino se atirava ao colo do pai, beijava-o e sentia-se feliz, em ter voltado à paz, com o perdão paterno. Nesta escola de sábia pedagogia Francisco cedo aprendeu combater e vencer seus defeitos. Por algum tempo Francisco ficou entregue aos cuidados de um mestre; depois freqüentou o colégio dos Irmãos das Escolas Cristãs, onde fez rápidos progressos, figurando sempre entre os melhores alunos. Na idade de sete anos fez a sua primeira confissão. Um ano depois, em junho de 1846 recebeu o sacramento da confirmação. Tudo isto prova que o menino já se achava bem instruído nas verdades da nossa fé, graças ao sólido ensino que lhe dispensavam os beneméritos Irmãos Sallistas.
 Nesse mesmo tempo caiu também a data da sua primeira comunhão, para qual se preparou com todo o esmero. Testemunha de vista desse grandioso ato diz: “O fervor com que o vi chegar-se da sagrada mesa, o espírito de fé, que se estampava no seu semblante, o vigor dos seus afetos foram tais, que se chegava a crer ser ele levado por um Serafim”. Esses sentimentos de fé e de piedade, aquelas chamas de amor ao SS. Sacramento não mais se separaram do coração de Francisco nos anos de sua mocidade, nem no meio de uma vida dissipada de certo modo mundana. Não menos certo é que a freqüente recepção da santa comunhão preservou-o de graves desvios no meio das tentações do mundo. Terminados os estudos elementares, o pai pensou em procurar para Francisco uma educação mais elevada, de acordo com a sua posição social e confiou seu filho aos Padres Jesuítas que na cidade de Spoleto dirigiram um colégio. Neste educandário passou Francisco os anos todos de sua mocidade no mundo e chegou a cursar os quatro semestres de estudos filosóficos. Estudante inteligente e cumpridor exato de seu dever que era, deixou boa memória naquele colégio e formavam-se as mais belas esperanças a seu respeito. Ano não passava, que não tirasse um prêmio; no fim dos seus estudos foi distinguido com uma medalha de ouro. Mestres e colegas igualmente o estimavam. Tudo nele encantava: os seus modos delicados e gentis, a modéstia no falar, o sorriso benévolo que lhe afloravam aos lábios, o garbo com que se sabia ver em circunstâncias mais solenes, os sentimentos nobres que dominam em todo o seu proceder. Aos seus mestres devotava sempre a máxima estima e profunda gratidão. 
Das práticas de piedade era rígido observador e com regularidade freqüentava os santos sacramentos. Não há dúvida, que, dada a ocasião, o seu gênio impetuoso e quente o levava a transportes de veemência e de cólera. Mais estes excessos eram sempre seguidos de lágrimas de arrependimento e de penitência. Desde a sua infância mostrou devoção particular a Nossa Senhora das Dores, uma imagem da qual se conservava em sua família; e cabia-lhe a ele adorná-la de flores e manter acesa uma lâmpada diante da estátua. Afirma um dos seus irmãos, Eurique Possenti, que viu Francisco, no último ano que passou em casa, usar de cilício de couro com pontinhas de ferro. Outro testemunho, da família Parenzi, declara: “Sua conduta religiosa e moral tem sido irrepreensível; dada a grande vigilância de meus pais, não teria sido admitido em nossa família, se não fosse realmente virtuoso”. Para completar a imagem do jovem estudante e assim melhor poder compreender a mudança que nele mais tarde se efetuou, tenha aqui lugar a descrição da solene distribuição de prêmios, da última em que Francisco tomou parte no colégio dos Jesuítas em Spoleto, em setembro de 1856. Os melhores alunos tinham sido escolhidos para abrilhantar a cerimônia com discursos e declamações poéticas. Entre eles Francisco ocupava o primeiro lugar. Ninguém se lhe igualava em elegância exterior, no garbo de representar, na graça de declamar, na graciosidade da gesticulação, no timbre encantador da voz. Podendo representar no palco, parecia estar no seu elemento e fazia-o com toda a naturalidade e perfeição. Em sua aparência não deixava nada a desejar: tudo obedecia às exigências da última moda: o cabelo esmeradamente penteado, o traje elegante e ricamente adornado, as luvas brancas, gravata de seda, sapatos luzidios e artisticamente acabados, a tudo isso Francisco ligava máxima importância. Em certa ocasião recitou com tanto ardor e tamanho foi o entusiasmo que excitou no auditório, que o delegado apostólico Mons. Guadalupe, que presente se achava, ao pai de Francisco que ao seu lado se achava disse: “se vosso filho aqui presente estivesse, abraçava-o em vosso lugar”.

As raras qualidades morais, que o adornavam, a figura simpática e atraente na flor da mocidade, a extrema vivacidade que nele se observava, não deixaram de emprestar-lhe um leve sombreado de vaidade, que de algum modo chegou a dominá-lo. Esta vaidade se lhe patenteava na exigência que fazia no modo de se trajar, sempre na última moda, de perfumar o cabelo e este sempre tratado com cuidado, de se aborrecer com uma nódoa por mais insignificante que fosse, no fato, no amor que tinha a divertimentos alegres e aos esportes mundanos. O inimigo das almas tirou proveito dessas fraquezas. Se não conseguiu roubar-lhe a inocência, não foi porque não lhe poupasse contínuos assaltos, bem sucedidos. A paixão pelo teatro, a verdadeira mania por bailes, o amor à leitura de romances eram tantos escolhos, tantos perigos, que é de admirar que o jovem Francisco não caísse presa das ciladas diabólicas. Tão pronunciada era sua paixão às danças, que lhe importou a alcunha de “bailarino”. Assim um dos seus mestres, Pe. Pinceli, Jesuíta, quando soube da inesperada fuga de Possenti do mundo para o convento, disse: “O bailarino fez isto? Quem esperava uma tal coisa! Deixar tudo e fazer-se religioso no noviciado dos Padres Passionistas!”
 Francisco bem conhecia o perigo em que nadava, e não faltava quem o chamasse à atenção, o lembrasse da necessidade da oração, da vigilância, da mortificação, da devoção a Jesus e Maria, de não perder de vista a eternidade, etc. Em uma carta que lhe escreveu o Pe. Fedeschini, S. J. há todos estes avisos; o conselho de fugir das más companhias, de dar desprezo à vaidade no vestir e falar, de largar o respeito humano, de fazer meditação diária e receber os sacramentos. Com todas as leviandades e suas perigosas tendências para o mundo, Francisco não deixava de ser um bom e piedoso jovem, a quem homens sábios e virtuosos não pudessem escrever com confiança, benevolência e estima e cujas palavras não fossem aceitas com respeito e gratidão. “Muitas vezes” – diz quem bem o conhecia – “Possenti sentiu o chamado de Deus, de deixar a vida no mundo e trocá-la com o estado religioso”. Seu diretor, Pe. Norberto, Passionista, declara: “A vocação, se bem que descuidada e sufocada, estava nele havia muito tempo e ele a sentiu desde os mais tenros anos. Muitas vezes o servo de Deus disse-me isto, lastimando a sua ingratidão e indiferença”. O mesmo sacerdote relata: “A sua vocação se manifestou do seguinte modo: Não sei em que ano foi, sentiu-se ele acometido de um mal, que o fez pensar na morte. Teve então a inspiração de prometer a Deus entrar numa Ordem religiosa, caso recuperasse a saúde. A promessa foi aceita, pois melhorou prontamente e em pouco tempo se achou restabelecido. A promessa ficou como se não fosse feita. O jovem tornou a dar o seu afeto ao mundo e se entregou à dissipação como antes. Não tardou que Deus lhe mandasse outra enfermidade, uma inflamação interna e externa da garganta, tão grave, que parecia a morte iminente já na primeira noite, tornando-se-lhe dificílima à respiração. Novamente o enfermo recorreu a Deus e invocando Santo André Bobola, aplicou ao lugar dolorido uma estampa do mesmo Santo, e renovou a promessa de abraçar o estado religioso. As melhoras se acentuaram quase instantaneamente e teve o enfermo uma noite tranquila e não mais voltaram as angústias da dispneia. Deste extraordinário favor o jovem se lembrou sempre com muita gratidão. Manteve também por algum tempo o propósito de fazer-se religioso, mas diferindo-lhe a execução, o amor ao mundo voltou e no mundo continuou a viver. Das paixões de Francisco, uma das mais fortes foi a da caça. A esta paixão ele pagava tributos bem pesados e seu diretor espiritual não hesitou em atribuir a este esporte a cruel moléstia, que o ceifou na flor da idade. Certa vez, em pular uma cerca, chegou a cair e com tanta infelicidade, que quebrou-lhe um osso do nariz. O fuzil disparou e o projétil passou-lhe retinho pela testa, pouco faltando que lhe rebentasse o crânio. Francisco reconhecendo logo a providência deste aviso, renovou a sua promessa. Ficou com as cicatrizes, mas deixou-se ficar no mundo.
 A graça divina também não se deu por vencida. Rejeitada três vezes, tentou um quarto golpe, mais doloroso ainda. De todos de sua família Francisco dedicava terníssima amizade a sua irmã Maria Luzia, nove anos mais velha que ele, e esta amizade era correspondida com todo afeto. Em 1855 irrompeu em Spoleto a cólera e Maria Luiza foi a primeira vítima da terrível epidemia. Foi no dia Corpus Christi, e a notícia alcançou Francisco, quando, na procissão, levava a cruz. A morte da irmã feriu profundamente o coração do jovem e mergulhou sua alma em trevas nunca antes experimentadas. Perdeu o gosto de tudo e se entregou a uma tristeza inconsolável. Parecia, que com este golpe a graça divina tivesse removido o último obstáculo de a promessa se cumprir. Assim ainda não foi. Todo acabrunhado, Francisco manifestou ao pai sua resolução de entrar para o convento chegando a dizer que para ele tudo se tinha acabado nesta vida. Possenti, receando perder seu filho a quem muito amava, não recebeu bem a comunicação e pediu-lhe nunca mais tocasse neste assunto. Aconselhou-o a se distrair, a afastar os pensamentos tristes a procurar a sociedade, freqüentar o teatro; chegou a insinuar-lhe a idéia de procurar a amizade de uma donzela distinta, de família igualmente conceituada, na esperança de nos entendimentos inocentes ela conseguir de fazê-lo esquecer-se dos seus intentos religiosos. Na igreja metropolitana de Spoleto gozava de uma veneração singular uma imagem de Nossa Senhora; a esta imagem chamava simplesmente “a Icone”. Na oitava do dia 15 de agosto esta imagem era levada em solene procissão por dentro da igreja e não havia quem não se ajoelhasse à sua passagem. 
Em 1856 Francisco Possenti achava-se no meio dos fiéis e todo tomado de amor por Maria Santíssima, os seus olhos se fixavam na venerada imagem como que esperando por uma bênção especial. Pois, quando a “Icone” vinha aproximando-se do jovem, parecia ela lhe atirar um olhar todo especial e lhe dizer: “Francisco, o mundo não é para ti; a vida no convento te espera”. Esta palavra, qual uma seta de fogo cravou-lhe no coração; assim saiu da igreja desfeito em lágrimas. Estava resolvido a realizar desta vez o plano de alguns anos. Tratou, porém, de não dar por enquanto nenhuma demonstração do seu intento. Embora certo de sua vocação, mas desconfiando da sua fraqueza, e para não ser vítima de uma ilusão procurou seu mestre no liceu e diretor espiritual Pe. Bompiani, Jesuíta e a ele se abriu inteiramente, fazendo do conselho do mesmo depender sua resolução definitiva. O exame foi feito com toda sinceridade e tendo tomado em consideração todos os fatores influentes no passado da vida do jovem, o Pe. Bompiani não duvidou de se tratar de uma vocação verdadeira e animou o jovem a seguí-la. Consultas que fez com mais dois sacerdotes de sua inteira confiança, tiveram o mesmo resultado. Francisco se resolveu então a pedir sua admissão na Congregação dos Passionistas. Comunicar ao pai a resolução tomada, não foi fácil. Mas desta vez o Sr. Sante, homem consciencioso, vendo a aflição e a firmeza de seu filho, não mais se opôs; tomado, porém, de espanto quando soube que a Congregação por Francisco escolhida, a dos Passionistas, era de todas a mais austera. Se bem que não se opusesse à vontade do filho, tratou de procrastinar a execução do seu plano e impor condições. 
Francisco, porém, ficou firme. Tomou ainda e pela última vez, parte na solenidade da distribuição dos prêmios, no colégio dos Jesuítas, fez como sempre um papel brilhante no palco, despediu-se dos seus professores, dos seus amigos e em companhia de seu irmão Luiz, da Ordem Dominicana, por ordem de seu pai, fez uma visita a seu tio Cesare, cônego da Basílica de Loreto e a um parente de seu pai, Frei João Batista da Civitanova, guardião de um convento dos capuchinhos, levando para ambos carta de Sante Possenti em que este pedia examinassem a vocação do jovem. Tanto o cônego como o capuchinho carregaram bastante as cores da vida austera na Congregação dos Passionistas, que absolutamente não lhe conviria, a ele, moço de dezoito anos, acostumado a seguir às suas vontades, sem restrição de comodidades. A visita à Santa Casa em Loreto Francisco aproveitou largamente para recomendar-se a N. Sra. Não mais arredou do caminho encetado. De Loreto foi para convento Morrovale, dos Passionistas onde já em 21 de setembro de 1856 recebeu o hábito com o nome de Gabriel dell’Adolorata. Admitido no noviciado, escreveu ao pai e aos irmãos, comunicando-lhes o fato. Ao pai pede perdão, aos irmãos recomenda amor filial e boa conduta. A carta, embora de simplicidade encantadora, é um documento admirável de sentimento filial e católico. Aos companheiros seus de estudo dirigiu cartas também. Despede-se, pede perdão de maus exemplos que julgava ter dado; aconselha-os a fugir das más companhias, do teatro, das más leituras e das conversas inúteis. 
Convencidíssimo da sua vocação religiosa, longe do mundo, da sociedade e da família, não mais teve outro ideal que subir as culminâncias da perfeição. Inconfundível era sua personalidade no meio dos seus companheiros do noviciado. Sem perder as notas características do seu caráter, a jovialidade, a alegria de espírito, a amenidade de trato, era ele inexcedível não só na exatidão do cumprimento dos exercícios regulares, como também na prática das virtudes cristãs e monásticas. E se perscrutarmos as causas profundas desta mudança radical na vida de Gabriel, duas conseguiremos encontrar, aliás suficientes e esclarecedoras: o ardente amor a Jesus Crucificado, à Santa Eucaristia, sua devoção singular a Mãe de Deus, em particular à Nossa Senhora das Dores e sua inalterada mortificação, por meio da qual deu morte aos seus desordenados apetites, um por um. Tendo corrido o ano de provação, Gabriel foi admitido à profissão e mandado para várias casas da Congregação, com o fim de completar os seus estudos de teologia. Durante os anos de preparação para o sacerdócio, superiores e companheiros viram no santo jovem o modelo mais perfeito de todas as virtudes, e cumpridor exatíssimo dos seus deveres. Quando chegou à idade de vinte e três anos, anunciaram-se os primeiros sintomas da moléstia, que no prazo de um ano havia de levá-lo ao túmulo: a tuberculose pulmonar. O longo tempo da sua enfermagem Gabriel o aproveitou para ainda mais se aprofundar na sua devoção predileta à Sagrada Paixão e Morte de Jesus Cristo e à Maria Santíssima, mãe das dores. 
Em fevereiro de 1862 ainda pôde andar e receber a santa comunhão na igreja, junto com seus companheiros. Inesperadamente o mal se agravou; foi preciso avisá-lo para receber os últimos sacramentos. A notícia assustou-o por um momento só; mas imediatamente recuperou a habitual calma, que logo se transformou numa alegria antes nunca experimentada. O modo de receber o santo viático comoveu e edificou a todos que assistiram. Não mais largava a imagem do crucificado, que cobria de beijos, e ao seu alcance tinha a estátua de N. Sra. das Dores, que freqüentemente apertava ao seu peito, proferindo afetuosas jaculatórias, como estas: “Minha mãe, faze depressa!” – “Jesus, Maria, José, expire eu em paz em vossa companhia!” – “Maria, mãe da graça, mãe da misericórdia, do inimigo nos protegei, e na hora da morte nos recebei”. – Poucos momentos antes do desenlace, o agonizante, que parecia dormir, de repente, todo a sorrir, virou o rosto para esquerda, fixando olhar para um determinado ponto. Como que tomado de uma grande comoção diante de uma visão impressionante, deu um profundo suspiro de afeto e nesta atitude, sempre sorridente, com as mãos apertando as imagens do crucifixo e da Mater dolorosa, passou desta vida para a outra.

Assim morreu o santo jovem na idade de vinte e quatro anos, na manhã de 27 de fevereiro de 1862. Foi sepultado na igreja da Congregação, em Isola Del Gran Sasso. Trinta anos depois fêz-se o reconhecimento do seu corpo. Nesta ocasião com o simples contacto de suas relíquias verificou-se a cura prodigiosa de uma jovem que a tuberculose pulmonar tinha reduzido ao último estado. Reproduziram-se aos milhares os prodígios que foram constatados à invocação do Santo. Em 1908 o Papa Pio X inscreveu o nome de Gabriel da Virgem Dolorosa no catálogo dos Beatos e em 1920 Bento XV decretou-lhe as solenes honras da canonização.
Pio XI estendeu a sua festa a toda a Igreja, em 1932. 
 

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I

O Carnaval Santificado e as Divinas Beneficências

Dor de Nosso Senhor Jesus Cristo

Fidem posside cum amico in paupertate illius, ut et in bonis illius laeteris – “Guarda fé ao teu amigo na sua pobreza, para que também te alegres com ele nas suas riquezas” (Ecl 22, 28)

Sumário. Para desagravar o Senhor ao menos um pouco dos ultrajes que lhe são feitos, os Santos aplicavam-se nestes dias do carnaval, de modo especial, ao recolhimento, à oração, à penitência, e multiplicavam os atos de amor, de adoração e de louvor para com seu Bem-Amado. Procuremos imitar estes exemplos, e se mais não pudermos fazer, visitemos muitas vezes o Santíssimo Sacramento e fiquemos certos de que Jesus Cristo no-lo remunerará com as graças mais assinaladas.

I. Por este amigo, a quem o Espírito Santo nos exorta a sermos fiéis no tempo da sua pobreza, podemos entender que é Jesus Cristo, que especialmente nestes dias de carnaval é deixado sozinho pelos homens ingratos e como que reduzido à extrema penúria. Se um só pecado, como dizem as Escrituras, já desonra a Deus, o injuria e o despreza, imagina quanto o divino Redentor deve ficar aflito neste tempo em que são cometidos milhares de pecados de toda a espécie, por toda a condição de pessoas, e quiçá por pessoas que lhe estão consagradas. Jesus Cristo não é mais suscetível de dor; mas, se ainda pudesse sofrer, havia de morrer nestes dias desgraçados e havia de morrer tantas vezes quantas são as ofensas que lhe são feitas.

É por isso que os santos, a fim de desagravarem o Senhor de tantos ultrajes, aplicavam-se no tempo de carnaval, de modo especial, ao recolhimento, à penitência, à oração, e multiplicavam os atos de amor, de adoração e de louvor para com o seu Bem-Amado. No tempo do carnaval, Santa Maria Madalena de Pazzi passava as noites inteiras diante do Santíssimo Sacramento, oferecendo a Deus o sangue de Jesus Cristo pelos pobres pecadores. O Bem-aventurado Henrique Suso guardava um jejum rigoroso a fim de expiar as intemperanças cometidas. São Carlos Borromeu castigava o seu corpo com disciplinas e penitências extraordinárias. São Filipe Néri convocava o povo para visitar com ele os santuários e realizar exercícios de devoção. O mesmo praticava São Francisco de Sales, que, não contente com a vida mais recolhida que então levava, pregava ainda na igreja diante de um auditório numerosíssimo. Tendo conhecimento que algumas pessoas por ele dirigidas, que se relaxavam um pouco nos dias de carnaval, repreendia-as com brandura e exortava-as à comunhão frequente.

Numa palavra, todos os santos, porque amaram a Jesus Cristo, esforçaram-se por santificar o mais possível o tempo de carnaval. Meu irmão, se amas também este Redentor amabilíssimo, imita os santos. Se não podes fazer mais, procura ao menos ficar, mais do que em outros tempos, na presença de Jesus Sacramentado ou bem recolhido em tua casa, aos pés de Jesus crucificado, para chorar as muitas ofensas que lhe são feitas.

II. Ut et in bonis illius laeteris – “para que te alegres com ele nas suas riquezas”. O meio para adquirires um tesouro imenso de méritos e obteres do céu as graças mais assinaladas, é seres fiel a Jesus Cristo em sua pobreza e fazer-lhe companhia neste tempo em que é mais abandonado pelo mundo: Fidem posside cum amico in paupertate illius, ut et in bonis illius laeteris. Ó, como Jesus agradece e retribui as orações e os obséquios que nestes dias de carnaval lhe são oferecidos pelas suas almas prediletas!

Conta-se na vida de Santa Gertrudes, que certa vez ela viu num êxtase o divino Redentor que ordenava ao Apóstolo São João escrevesse com letras de ouro os atos de virtude feitos por ela no carnaval, afim de a recompensar com graças especialíssimas. Foi exatamente neste mesmo tempo, enquanto Santa Catarina de Sena estava orando e chorando os pecados que se cometiam na quinta-feira gorda, que o Senhor a declarou sua esposa, em recompensa (como disse) dos obséquios praticados pela Santa no tempo de tantas ofensas.

Amabilíssimo Jesus, não é tanto para receber os vossos favores como para fazer coisa agradável ao vosso divino Coração, que quero nestes dias unir-me às almas que Vos amam, para Vos desagravar da ingratidão dos homens para convosco, ingratidão essa que foi também a minha, cada vez que pequei. Em compensação de cada ofensa que recebeis, quero oferecer-Vos todos os atos de virtude, todas as boas obras, que fizeram ou ainda farão todos os justos, que fez Maria Santíssima, que fizestes Vós mesmo, quanto estáveis na terra. Entendo renovar esta minha intenção todas as vezes que nestes dias disser: † Meu Jesus, misericórdia (1).

– Ó grande Mãe de Deus e minha Mãe Maria, apresentai vós este humilde ato de desagravo a vosso divino Filho, e por amor de seu sacratíssimo Coração obtende para a Igreja sacerdotes zelosos, que convertam grande número de pecadores.

Referências:
(1) Indulg. de 300 dias cada vez

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 272-274)

Santo do dia

 O Sábio nos exorta a aceitar todas as dores que nos chegam, a suportar a dor com paciência; porque se o ouro e a prata são refinados no fogo, os homens são tornados aceitáveis ​​ao Senhor na fornalha da aflição.


27 de fevereiro: São Leandro, Arcebispo de Sevilha (596)

São Leandro, de família principesca, nasceu na Espanha. Ele abraçou a vida monástica cedo e dela extraiu o espírito de devoção e disciplina que lhe renderia a honra de exercer uma influência preponderante no futuro de seu país.

Sevilha foi palco de seu zelo e de suas virtudes. Primeiro monge, depois arcebispo desta cidade, ele criou, à sombra de sua metrópole, uma escola destinada a propagar, ao mesmo tempo que a fé católica, o estudo de todas as ciências e de todas as artes. Ele próprio presidiu os exercícios dos mestres eruditos e dos muitos estudantes que conseguiu atrair.

Entre seus discípulos, o mais famoso foi seu irmão mais novo, Santo Isidoro, que se tornou seu sucessor e o superou em glória. Mas outra ilustração da escola de Leandro foi São Hermenegildo, um dos filhos do rei ariano Leuvigildo; Foi ele quem gravou no coração do ilustre jovem aquela fé invencível que o tornou vítima do próprio pai.

Uma das glórias de São Leandro é ter sido amigo do grande Papa São Gregório Magno. Gostamos de encontrar essas amizades ternas e fortes, das quais as vidas dos Santos fornecem tantos exemplos; somente elas são verdadeiras e sólidas, porque repousam sobre o único fundamento firme e inabalável, o amor de Deus. Nada é mais tocante do que a correspondência íntima entre essas duas grandes figuras:

"Ausente no corpo", escreveu o Papa ao seu fiel amigo, "estás sempre presente ao meu olhar, pois trago gravados no fundo da minha alma os traços do teu rosto... Minha carta é muito curta, mas te mostrará o quanto estou esmagado pelo peso da minha responsabilidade, já que escrevo tão pouco para quem mais amo no mundo." Que louvor ao nosso Santo vindo da pena de um Papa tão grande!

Leandro, provado pela perseguição, teve finalmente a felicidade de ver o triunfo da sua Igreja. O rei Leuvigilde se converteu antes de morrer e colocou seu filho Recarède sob a liderança do santo arcebispo, a quem ele havia exilado. Recared teve a glória de trazer todo o seu povo de volta à Igreja Romana; Essa glória, é preciso dizer, recaiu em grande parte sobre Leandro, que se apressou em anunciar a notícia ao Papa São Gregório.

Conheceríamos apenas pela metade este médico e apóstolo da Espanha, se não soubéssemos que sua vida foi sempre mortificada e recolhida como a de um monge, sem pompa como a de um pobre homem de Jesus Cristo, laboriosa como a de um soldado da fé.


Catedral de Nossa Senhora da Sé de Sevilha (Espanha)


terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I

 Do número dos pecados

Omnia in mensura et numero et pondere disposuisti – “Dispuseste tudo com medida e conta e peso” (Sb 11, 21)

Sumário. É sentimento de muitos Santos Padres, que Deus, assim como determinou para cada homem o número dos dias de vida que lhe quer dar, do mesmo modo fixou para cada um deles o número dos pecados que lhe quer perdoar e completado esse número não perdoa mais. Quem sabe, meu irmão, se depois dessa primeira satisfação indigna, depois do primeiro pensamento consentido, depois do primeiro pecado cometido, não quererá o Senhor castigar-te com uma morte repentina? O que então seria de ti por toda a eternidade?

I. Se Deus castigasse desde logo a quem O ofende, de certo não se veria injuriado como o é atualmente; mas por isso mesmo que o Senhor não castiga logo e espera, os pecadores animam-se a ofenderem-No mais. É porém preciso atender bem, que se Deus espera e suporta, todavia não espera e suporta sempre.

É sentimento de muitos Santos Padres, de São Basílio, São Jerônimo, Santo Ambrósio, São Cirilo de Alexandria, São João Crisóstomo, Santo Agostinho e outros, que Deus, assim como determinou o número dos dias de vida, os grãos de saúde e de talento que quer dar a cada homem, assim fixou para cada qual o número dos pecados que lhe quer perdoar; cheio o qual, não perdoa mais: “Devemos ter por certo”, diz Santo Agostinho, “que Deus suporta o homem até certo ponto, depois do qual não há mais perdão para ele: Nullam illi veniam reservavi”.

E não foi ao acaso que estes Santos Padres assim falaram, senão baseados nas divinas Escrituras, que em vários lugares dizem claramente que, embora os pecadores não contem os pecados, Deus os enumera, para castigá-los, quando o número estiver completo: ut in plenitudine peccatorum puniat (1). De sorte que Deus espera até ao dia em que se complete a conta dos pecados, e então é que pune.

A Escritura oferece muitos exemplos de castigos semelhantes, principalmente o de Saul, que depois da última desobediência foi abandonado por Deus. Encontra-se também o exemplo de Baltazar, que estando à mesa profanou os vasos do templo e viu então uma mão escrevendo na parede: Mane, Thecel, Phares. Veio Daniel, e explicando estas palavras, disse-lhe entre outras coisas, que o peso de seus pecados já tinha feito baixar a balança da divina justiça, e com efeito, nessa mesma noite Baltazar foi morto… A quantos infelizes não sucede a mesma desgraça! Vivem muitos anos no pecado, mas quando completam o número que lhes foi fixado, são colhidos pela morte e precipitados no inferno. Ducunt in bonis dies suos, et in puncto ad infera descendunt (2) ― “Passam os seus dias em prazeres e num momento descem à sepultura”.

II. Há quem procure indagar o número das estrelas, dos anjos, dos anos que alguém terá; mas quem poderá jamais indagar o número dos pecados que Deus quer perdoar a cada homem? E por isso devemos tremer. Meu irmão, quem sabe se depois da primeira satisfação indigna, depois do primeiro pensamento consentido, depois do primeiro pecado cometido Deus ainda te quer perdoar? Quem sabe se não te sucederá o que sucedeu a tantos outros, que foram colhidos pela morte no mesmo instante em que estavam ofendendo o Senhor? E se tal acontecesse, que seria de ti durante toda a eternidade?

Graças, meu Deus! Quantos desgraçados, menos culpados que eu, estão agora no inferno, sem que haja para eles perdão ou esperança! E eu estou vivo ainda fora do inferno, com esperança do perdão e do paraíso, se eu quiser. Sim, meu Deus, quero o perdão. Arrependo-me de todo o coração de Vos ter ofendido, a Vós que sois a Bondade infinita.

Pai Eterno: respice in faciem Christi tui (3), olhai para vosso Filho morto por mim na cruz, e em consideração dos seus méritos, tende piedade de mim. Protesto que antes quero morrer que tornar a ofender-Vos. Em vista dos pecados que cometi e das graças que me haveis feito, tenho suficiente motivo para temer que um pecado mais encha a medida e me faça condenar. Ah! Ajudai-me com a vossa graça. De Vós espero luz e força para Vos ser fiel. Se prevedes que hei de tornar a ofender-Vos, fazei-me morrer neste instante, já que espero estar na vossa graça. Meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas e, mais que a morte, receio a desgraça de cair novamente em nossa inimizade. Por piedade, não o permitais.

― Maria, minha Mãe, tende compaixão de mim, ajudai-me, impetrai-me a santa perseverança.

Referências:
(1) 2 Mc 6, 14
(2) Jó 21, 13
(3) Sl 83, 10

Nota: Os devotos de Santo Afonso poderão hoje tomar a meditação sobre a sua confiança em Deus, se ainda não foi lida na terça-feira da 5ª. semana depois da Epifania. Para os seguintes meses do ano aconselha-se aos mesmos devotos que fixem um dia para fazerem a sua meditação sobre uma virtude do Santo correspondente a cada mês. Do Santo Doutor pode-se dizer como de Jesus Cristo, que começou a fazer e a ensinar.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 269-272)

Santo do dia

 Enquanto os santos dão ao mundo o exemplo do desapego dos bens terrenos, a maioria dos homens sonha apenas com riquezas. Aqueles que querem ser ricos, diz o Apóstolo, caem numa multidão de desejos insensatos e nocivos, que os levam à ruína e à perdição.

 


26 de fevereiro: São Porfírio, Bispo de Gaza (353-420)


São Porfírio, nascido em Tessalônica, de pais ricos e virtuosos, foi educado na piedade, no temor de Deus e também nas ciências divinas e humanas.


Depois de cinco anos de vida austera num convento, tendo recebido de seus superiores a ordem de sair, por causa de sua saúde debilitada, ele foi para a Terra Santa, e chegou morrendo em Jerusalém. Ali, numa visão, perto do túmulo do Salvador, ele foi milagrosamente curado.


Admiremos a conduta misteriosa da Providência! Foi o próprio Deus quem direcionou Seu servo para a Palestina, onde a reputação de suas virtudes e méritos logo o levaram a ser elevado à sede episcopal de Gaza.


Terrível para o paganismo, cujos ídolos ele destruiu, teve que suportar perseguições cruéis; mas seu zelo e caridade conseguiram gradualmente converter um grande número de infiéis.


Entre os muitos milagres pelos quais ele triunfou sobre o endurecimento dos inimigos de Jesus Cristo, sua história relata o seguinte:


Uma seca extraordinária estava devastando a região. Os sacerdotes dos ídolos ofereciam sacrifício após sacrifício aos seus deuses, sem sucesso; o flagelo estava se tornando intolerável e a fome já havia feito vítimas. Porfírio ordenou orações especiais. Foi fixado um dia de jejum, e certa noite reuniram-se na maior igreja da cidade, onde a assembleia cristã cantou durante toda a noite, em atitude de penitência, invocações a Deus e aos Santos.


No dia seguinte, foi feita uma procissão fora da cidade, até os túmulos dos mártires; mas quando ela voltou, os pagãos tinham fechado todos os portões da cidade. Os cristãos, caindo de joelhos, redobram seus pedidos a Deus. De repente, o céu antes claro ficou coberto de nuvens, e chuvas torrenciais caíram sobre a região durante dois dias. Diante dessa visão, os pagãos abriram as portas e gritaram: "Cristo venceu!" Este prodígio provocou a conversão de mais de duzentos idólatras.


Todos os muitos milagres de Porfírio tinham como objetivo a conversão das almas. Um dia, enquanto ele cruzava o mar em um navio, uma terrível tempestade irrompeu, e o naufrágio era inevitável. Mas Porfírio, iluminado por Deus, declara ao piloto que a tempestade cessará assim que ele abjurar a heresia de Ário. O piloto, surpreso ao ver um homem que conseguia ler corações, imediatamente abjurou o erro, e as ondas se acalmaram. Porfírio, quando morreu, deixou Gaza inteiramente cristã.


Igreja de São Porfírio em Gaza (Palestina)



   São Porfírio, o vigoroso destruidor da idolatria, nasceu em Tessalônica, na Macedônia Grécia, onde nasceu no ano 347.Instruído nas ciências, tendo a idade de 25 anos, retirou-se para a solidão de Scete, onde passou cinco anos numa gruta, nas proximidades do Jordão. A insalubridade do lugar causou-lhe grande mal à saúde, e doente chegou a Jerusalém, onde teve a notícia da morte dos pais. Em sua companhia achava-se um jovem de nome Marco. A este incumbiu de receber a herança e distribuir o dinheiro entre os pobres, o que se fez.São Porfírio, não tendo reservado nada para si, viveu sempre pobre.
  Na visita diária aos Santos Lugares teve uma vez um desmaio que se transformou em visão. Apareceu-lhe Nosso Senhor na Cruz e com ele o Bom Ladrão.Nosso Senhor  Jesus Cristo deu a este um sinal de ajudar São Porfírio a levantar-se do chão. O Bom Ladrão São Dimas estendeu-lhe a mão e disse: “Agradece a teu Salvador tua cura”. No mesmo momento Jesus Cristo desceu da Cruz e entregou-lhe a mesma, com a recomendação de guardá-la bem. Quando o Santo voltou a si, notou que estava perfeitamente curado. O sentido das palavras de Cristo, porém ficou-lhe enigmático, até que o Bispo de Jerusalém o ordenou e o nomeou guarda do Santo Lenho.
  Os sacerdotes da diocese de Gaza, tendo perdido o Bispo, insistiram com São Porfírio para que aceitasse a direção da diocese orfanada. Embora sua modéstia quisesse fugir dessa dignidade, à obediência teve de sujeitar-se. Existiam em Gaza muitos pagãos e um templo magnífico para o culto das divindades. Os idólatras, conhecendo já de antemão o zelo do novo Bispo, principalmente seu repudio ao culto pagão, assentaram matá-lo antes de tomar posse do rebanho. Este plano ímpio, por qualquer circunstância imprevista, não pôde ser efetuado. Bem se arrependeram da iniquidade  pois São Porfírio, apesar de inimigo do paganismo, pela modéstia, paciência e caridade, soube ganhar os corações dos próprios pagãos. Um fato extraordinário, que se deu logo no princípio do seu governo, aumentou ainda a confiança e veneração para com o novo Pastor. Uma seca atroz de muitos meses aniquilara as esperanças dos lavradores e o espectro da fome começava a apavorar os ânimos. Nesta expectativa desoladora os sacerdotes de Marnas, a quem era devotado o templo, se dirigiram à sua divindade com preces e sacrifícios, para obter o benefício de uma chuva. Marnas, porém, chuva nenhuma mandou e a seca continuou a assolar a região. Porfírio, condoído com a miséria pública, ordenou um dia de jejum, organizou uma procissão de penitência a uma capela situada fora da cidade. Apenas recolhida à procissão, caiu uma chuva abundantíssima, refrigerando a terra ressecada. Muitos, diante deste espetáculo e vendo nisto o grande poder do Deus dos cristãos, converteram-se. Outros, porém, encheram-se de inveja e forjaram novos planos malignos contra a vida do santo Bispo e de alguns cristãos.
  Entretanto, veio um édito do imperador Arcádio, ordenando o fechamento dos templos pagãos. Esta ordem foi por muitos funcionários obedecida, por outros não. Assim ficou aberto o templo de Marnas. Porfírio, desejando ardentemente a execução da ordem imperial, conseguiu em Constantinopla a autorização para derrubar o templo em Gaza.
  A influência, porém, de ministros subornados pelos sacerdotes pagãos, fez com que o imperador revogasse a autorização exarada. Não obstante, algum tempo depois, foi publicada nova ordem no mesmo sentido de fechar os templos pagãos, sob pena de os refratários perderem a colocação; mas mesmo assim, o templo não se fechou. A imperatriz Eudóxia prometeu a  São Porfírio empregar toda a influência junto ao imperador, para conseguir o fechamento e a destruição do templo. Porfírio, inspirado por Deus, predisse à imperatriz o advento de um filho. Logo que esta profecia se cumpriu, dirigiu-se o Bispo a Constantinopla, para administrar o sacramento do Batismo ao príncipe herdeiro. Aconselhado pela imperatriz,São Porfírio redigiu novamente o requerimento ao imperador.
  A petição foi entregue ao monarca logo depois do ato religioso, por assim dizer, pela criança recém – batizada. Arcádio achou-a depositada sobre o peito do filhinho. No momento em que a abria, a pessoa que segurava nos braços a criancinha disse-lhe:
  “Digne-se Vossa Majestade de deferir o requerimento apresentado por seu filho”. O imperador respondeu com sorriso nos lábios: “Como poderia eu negar o primeiro pedido de meu filhinho?” – Imediatamente foi mandado para Gaza um oficial do exército, com ordem estrita de demolir o templo de Marnas. Poucos dias depois, quando Porfírio se aproximou da cidade, os cristãos, seus diocesanos, receberam-no com muita solenidade. O préstito havia de passar por um lugar onde se achava uma imagem de Vênus, ponto predileto para reuniões de mulheres, que costumavam encontrar-se lá, para tratar projetos de casamentos. Mal o Bispo se achava defronte daquela estátua, quando esta, sem que pessoa alguma lhe tivesse tocado, ruiu por terra, fazendo-se em pedaços. Este fato causou grande sensação e foi o início de muitas conversões. O templo de Marnas desapareceu e em seu lugar se ergueu uma belíssima Igreja, dedicada a Deus vivo e verdadeiro.
 O triunfo de Porfírio sobre a idolatria foi completo. Quando, em 421, Deus o chamou para o descanso eterno, o santo Bispo teve a grande satisfação de ver muito reduzido o número de pagãos em sua diocese.
 São Porfírio exemplo de luta contra idolatrias rogai por nos pela conversão dos infiéis e modernistas ecumênicos.

Santo do dia

   

25 de fevereiro dia de São Tarásio,Defensor das Sagradas Imagens.

 São Tarásio, natural de Constantinopla, foi um dos Patriarcas mais célebres da Igreja oriental. O pai, nobre patrício e bom cristão, teve todo empenho em proporcionar-lhe uma boa educação. O filho satisfez perfeitamente aos desejos e esperanças do progenitor, tanto que, uma vez conhecido na sociedade, era objeto da admiração de todos, por causa do seu saber e belo caráter. Abriram-lhe ao futuro as perspectivas mais risonhas e prometedoras. Convidado pelo imperador Constantino V e sua esposa Irene, ocupou o cargo de cônsul e mais tarde de secretário do Estado. Os atrativos do mundo, o brilho de posições elevadas não conseguiram entretanto, ofuscar-lhe a vista. A vida na corte, tão cheia de seduções e escolhas.A virtude, em nada lhe modificou os sentimentos de piedade e a sobriedade de seu caráter. A todos e em todas as emergências, dava o exemplo de cristão reto.
    Havia no Oriente uma seita, que combatia o culto das imagens, chamada a dos iconoclastas. Paulo III, Patriarca de Constantinopla embora merecedor dos maiores elogios, como Prelado virtuosíssimo e caridoso que era, teve a fraqueza de não se opor à perniciosa seita, com a energia que as circunstâncias exigiam, tanto que a opinião de muitos católicos o açoitava como falta da mesma. Uma doença grave, que Deus lhe mandou, abriu-lhe os olhos. Muito arrependido do erro que cometera, renunciou o cargo e retirou-se para a solidão, a fim de fazer penitência. Tão firme ficou nesse propósito, que amigos íntimos não o puderam demover do intento. Uma visita da própria imperatriz Irene, (esposa de Leão IV) e suas insistências para que voltasse ao cargo, não tiveram melhor resultado.
  Paulo tomou o hábito de monge e propôs São Tarásio para seu sucessor. A indicação não podia ser mais acertada, apesar de São Tarásio se opor com toda a força. Paulo morreu pouco depois e São Tarásio recebeu a sagração patriarcal, na festa de Natal de 784. Uma das condições principais, sob as quais São Tarásio tinha aceito o cargo de Patriarca, fora a convocação de um Concílio, que decidisse a questão do culto das imagens. O Concílio realizou-se em Nicéia, na Bitinia, e o resultado foi à anatematizado a heresia dos iconoclastas.
São Tarásio, na compreensão nítida da alta missão de Bispo e Patriarca, praticou as virtudes cristãs, procurando ao mesmo tempo implantá-las na alma do povo. A todos dava o exemplo da caridade prática, convidando a pobreza para com ele partilhar as refeições em palácio. Esta praxe não teve a aprovação de todos, e houve quem o censurasse por isso, querendo fazer-lhe ver que a caridade assim compreendida e efetuada, não conduzia a dignidade que representava, como Patriarca. “Minha ambição única, respondia São Tarásio, é imitar Nosso Senhor Jesus Cristo, que viveu para servir aos outros e não para ser servido”.
  Para que o povo tivesse sempre mestres que o instruíssem na religião e o defendessem contra as heresias,São Tarásio fundou alguns conventos e tudo fez para que nada faltasse ao rebanho, que a Divina Providência aos seus cuidados confiara.
  Tanto zelo, tanta dedicação não podia subsistir, sem que o inferno contra eles se enfurecesse. Não só iconoclastas, como também maus católicos, moveram uma campanha atroz contra o Prelado. À campanha aberta preferiram a encoberta, e muitos meses não se passaram, sem que Tarásio se visse emaranhado nas malhas de calúnias de toda espécie.
  O Bispo opôs à vil campanha as armas da fé em Deus, da paciência e da caridade.
 O imperador, tomado de amores ilícitos por uma dama da corte, acusando a esposa de tentativa de morte por veneno, requereu do Patriarca o divórcio, para contrair matrimônio com Teodata, era esse o nome da adúltera.São Tarásio opôs-se ao alvitre do monarca, pediu-lhe que desistisse do ímpio projeto e ameaçou-o com os efeitos da vingança divina. Constantino, cego de paixão, não tomando em consideração as advertências e conselhos do Patriarca, exigiu-lhe a aprovação do casamento com Teodata, alegando – infelizmente com razão – a atitude de Patriarcas anteriores, em condições idênticas.São  Tarásio, porém, ficou firme e disse: “Mais temo cair em desagrado do Rei dos reis, que perder as boas graças de um rei mortal”. Constantino, uma vez no caminho dos desregramentos, adotou o sistema monárquico absoluto, afastando a mãe da gerência nas coisas de política. Irene soube vingar-se. Se no princípio disfarçadamente, mais tarde fez guerra aberta ao filho; moveu contra ele elementos poderosos militares. Constantino foi preso; por ordem da mãe arrancaram-lhe os olhos, com tanta crueldade, que morreu em conseqüência disso. Irene subiu novamente ao trono, mas seu governo pouca duração teve. Vento semeara, tempestade havia de colher e colheu. Em 802 foi derrubada do poder e desterrada para Lesbos, onde morreu desgostosa.
 Pela morte de Constantino, voltaram para São Tarásio dias de sossego, que não mais foi perturbado por novas lutas. Tanto Irene, como seu sucessor Nicéforo, deixaram a Igreja em paz. Vinte e dois anos pode  São Tarásio governar o patriarcado, dedicando-se de corpo e alma aos trabalhos na vinha de Cristo.
  Embora já velho e doente, celebrava todos os dias o santo sacrifício da Santa Missa, preparando-se assim santamente para a morte.
  Antes de entregar a alma ao eterno repouso o demônio armou-lhe uma luta terrível, molestando e martirizando-o com pensamentos de desespero. Pessoas que o puderam observar de perto, viram-no tremer no corpo todo, acusando sinais de temor e de angustia. Uma outra vez ouviram exclamar: “Não fiz tal coisa! É mentira!” – “Sim, isto eu fiz, mas confessei-me sinceramente e espero de Deus misericórdia”. – Os circunstantes, observando esta luta entre a alma e o demônio, puseram-se a rezar fervorosamente. São Tarásio, livre daquele pesadelo terrível, serenamente entregou a alma a Deus em 806.
  Quatorze anos depois da morte de São o imperador Leão, amigo dos iconoclastas, viu em sonhos o falecido Patriarca que lhe lançava olhares ameaçadores, dando a um tal Miguel ordem para que o matassem. Em vão procurou Leão descobrir esse Miguel. Seis dias depois foi assassinado por Miguel, o Gago, que se apoderou do trono imperial.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Santo do dia


Dia 25 de fevereiro é a festa de Santa Valburga, Virgem e Abadesa.

Santa Valburga, Virgem e Abadesa, lá em Preston, na Inglaterra, tem uma igreja dedicada a ela, uma igreja muito bonita, entregue ao Instituto Cristo Rei. Walburga nasceu cerca do ano 710, no reino de Wessex, no sul da atual Inglaterra, de uma família anglo-saxã. Era parente de muitos missionários, tais como São Bonifácio, que é o apóstolo da Alemanha, e Santa Lioba. Seus irmãos São Vili Baldo, que foi o primeiro bispo de Einstein, e São Vini Baldo também foram destacadas personalidades religiosas, inclusive seus pais. Sua mãe foi Santa Una de Wessex e seu pai São Ricardo, conhecido como O Peregrino. A formação religiosa de Walburga foi realizada no convento anglo-saxão. Seguindo o exemplo de seus irmãos, Walburga partiu para a Inglaterra na metade do século VIII e estabeleceu-se na Alemanha como missionária, numa época em que a cristianização do norte da Europa ainda não era completa. Em 761, quando morreu seu irmão Vinibaldo, ele era o abade do convento beneditino que tinha em Heidenheim, Walburga assumiu o cargo de abadesse. Isso era interessante porque aquele convento passou a ser duplo. Ela governava não só as irmãs, as monjas, mas também os homens. 

O dia 25 de fevereiro de 779, outros colocam 777, é considerado como o dia de sua morte. Entre 870 e 879, por ordem de Orkar, bispo de Einstein, seus restos foram trasladados de Heindheim ao convento de Einstein, no dia 1º de maio, e lá passou a ser venerada após a canonização pelo Papa Adriano II. Sua festa, por conta das várias trasladações das suas relíquias, é marcada em vários dias do ano, em vários calendários. Mas a principal festa é mantida na maioria dos lugares no dia da sua morte, no dia de hoje. Tem uma festa também muito famosa no dia 1º de maio. Uma parte de suas relíquias foi preservada em um rico santuário no repositório de relíquias do Palácio Eleitoral de Hanover, como aparece no catálogo daquele lugar, impresso e folho, no ano 1713. Que ela nos conceda o mesmo zelo missionário pela salvação das almas. 

Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I

O pecado renova a Paixão de Jesus Cristo

Paixão de Cristo

Rursum crucifigentes sibimet ipsis Filium Dei, et ostentui habentes – “Eles outra vez crucificam o Filho de Deus para si próprios e o expõem à ignomínia” (Hb 6, 6)

Sumário. Quem comete o pecado, contraria todos os desígnios amorosos de Jesus Cristo, inutiliza para si os frutos da Redenção, e, como diz São Paulo, pisa o Filho de Deus aos pés, despreza e profana seu sangue e renova a sua paixão e morte. Portanto, especialmente neste tempo de carnaval o Senhor é cada dia crucificado milhares de vezes. Imagina que são tantos os Calvários quantos são os antros do pecado. Ai, meu pobre Senhor!

I. Considera a grandíssima injúria que o pecado mortal faz à Paixão de Jesus Cristo. O intuito do Filho de Deus, em fazer-se homem, foi tirar o pecado do mundo; a este fim, como diz Isaías, colimavam todos os seus pensamentos, palavras, obras e sofrimentos: Et iste omnis fructus, ut auferatur peccatum (1) ― “Este é todo o seu fruto, que seja tirado o pecado”. Pois bem, quem peca, inutiliza para si este grande fruto da Redenção e contraria assim todos os desígnios e intentos amorosos do Redentor. ― Se o pecado é acompanhado de escândalo, contraria-os também para os outros, fechando, por assim dizer, em despeito de Cristo, para si e para o próximo, as portas do céu e abrindo as do inferno.

Mais, o pecador, como diz São Paulo, pisa aos pés o Filho de Deus, despreza e profana o seu preciosíssimo Sangue, chega até ao excesso de renovar a sua crucifixão e morte: Rursum crucifigentes sibimet ipsis Filium Dei ― “Crucificando outra vez o Filho de Deus para si próprios”. Isto, na interpretação de Santo Tomás, se verifica de duas maneiras. Primeiro, pecando se faz aquilo pelo que Jesus Cristo foi crucificado, a saber, o pecado. Portanto, se a morte do Senhor não houvera sido suficiente para expiar os pecados todos, fora conveniente, pelo encargo de Redentor, que tomou sobre si, que se deixasse crucificar tantas vezes quantos são os pecados cometidos. Em segundo lugar, pelo pecado comete-se uma ação mais abominável aos olhos de Jesus e mais dolorosa para seu Coração do que todos os opróbrios e penas padecidas na Sua Paixão e por isso de boa vontade quisera tornar a sofrê-las afim de impedir um só pecado mortal.

É assim que, especialmente neste tempo de carnaval, o Senhor é crucificado pelos pecadores milhares de vezes cada dia. Imagina, pois, que são tantos os Calvários, quantos são os antros do pecado, ou melhor, quantas são as almas pecadoras. Ah, meu pobre Redentor!

II. Na vida de Santa Margarida Alacoque se lê que num dos dias que antes de principiar a Quaresma são consagrados ao prazer, Jesus Cristo se lhe mostrou todo rasgado de feridas e coberto de sangue. Tinha a cruz nos ombros e com voz triste e queixosa disse:

“Não haverá ninguém que tenha compaixão de mim e queira compartilhar comigo as dores que sofro por causa dos pecadores, especialmente nestes dias?”

Ouvindo isso, a Bem-aventurada lançou-se aos pés de seu divino Esposo e ofereceu-se a sofrer em união com Ele, pelo que o Senhor a carregou de uma cruz pesadíssima.

Imitemos na medida de nossas forças à Santa Margarida, desagravando o Coração de Jesus. Nestes oito dias ouçamos com devoção uma missa, façamos ao menos uma comunhão reparadora, e, não só com o nosso exemplo, mas também com palavras, excitemos os outros a fazerem o mesmo. No correr do dia, digamos muitas vezes: † Meu Jesus, misericórdia (2). Enquanto os outros só pensam em distrair-se com divertimentos mundanos, procuremos, mais do que de ordinário, fazer companhia a Jesus sacramentado, ou recolhidos em nossa casa aos pés de Jesus Cristo, compadecer-nos dele pelas muitas ofensas que Lhe são feitas.

Tenhamos por certo que estes obséquios são muito agradáveis ao Coração divino, mas, para que Lhe sejam mais agradáveis ainda, formemos a intenção de os unirmos com os merecimentos do Redentor e de toda a corte celestial, dizendo muitas vezes: † “Eterno Pai, nós Vos oferecemos o sangue, a paixão e a morte de Jesus Cristo, as dores de Maria Santíssima e de São José, para satisfação de nossos pecados, em sufrágio das almas do purgatório, pelas necessidades da santa Madre Igreja e pela conversão dos pecadores”(3).

Referências:
(1) Is 27, 9
(2) Indulg. de 300 dias cada vez
(3) Indulg. de 100 dias. ― Aos obséquios indicados podem acrescentar-se os seguintes:
1º. Percorrer cada dia as estações da Via Sacra, ou sufragar de outra forma aquelas almas do purgatório que em vida mais se esforçaram por desagravar a Jesus Cristo, no tempo de carnaval.

2º. Em todo este tempo, fazer com mais perfeição e fervor as ações ordinárias, em particular as que se referem diretamente ao serviço de Deus.

3º. Finalmente, visto que Deus é ofendido especialmente pelos excessos no beber e comer e pelos pecados de impureza, mortificar mais do que em outros tempos o apetite, tanto na qualidade como na quantidade da comida, e, com licença do Diretor, alguma penitência corporal.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 267-269)

Santo do dia

Césaire era um cristão de alto valor. Gregório, no entanto, temia a atmosfera de uma corte para si mesmo. É que a virtude é muito difícil de praticar entre os grandes, onde o vício quase sempre desfruta da impunidade do silêncio.


 25 de fevereiro: São Cesário, médico (369)


Irmão mais novo de Gregório de Nazianzo, Cesário recebeu desde cedo o cuidado profundamente religioso de pais e professores cristãos. Quando chegou a hora de se aperfeiçoar nas ciências, ele foi enviado para as famosas escolas de Alexandria. De lá, tendo completado seus estudos, foi para Constantinopla. A cidade admirava tanto seus méritos sólidos quanto suas graças exteriores, e o jovem médico rapidamente conquistou estima e afeição geral. Honras públicas, uma aliança nobre e a dignidade de senador foram-lhe oferecidas. O próprio imperador quis prendê-lo à sua pessoa; mas, seguindo o conselho de Gregório, Cesário sacrificou tudo para ir servir Nazianzo, sua terra natal.


Depois de ter dado os primórdios de sua arte ao seu país natal, seus gostos o trouxeram de volta à corte. Em pouco tempo, Cesário se tornou o médico-chefe e favorito do imperador. Sua honestidade, sua generosidade e suas maneiras prestativas conquistaram todos os corações. Ali, os prazeres, as honras, as seduções do mundo o cercam, mas não o corrompem: a grandeza para ele é ser cristão e parecer cristão.


Os pobres são seus amigos; ele lhes dá o que precisam, às vezes até o que é confortável. Se ele se mantém entre os grandes, nunca é sacrificando a verdade, que ele defende em todos os lugares. Tal é a conduta de César na corte; e ainda assim Gregory ainda teme por ele. Ele contempla com pavor os perigos que cercam seu irmão mais novo e não para de escrever para ele para afastá-lo deles. Basil, seu amigo próximo, apoia seus esforços. Mas Cesário, cheio de respeito pelos conselhos deles, adia sua chegada e parece querer um sinal de Deus. Ele não vai esperar muito. Tesoureiro dos domínios do Imperador Valente, foi nomeado intendente da Bitínia. Era ali que Deus o esperava.


Um violento terremoto destrói Nicéia, uma cidade nesta província. O novo administrador perdeu parte de seus bens, ficou envolto em escombros e só escapou da morte por um milagre. Gregório e Basílio aproveitam a oportunidade para exortá-lo mais uma vez a entregar-se a Deus sem reservas; "Pois mais do que ninguém", acrescentou este último, "você deve servir a Deus como ressuscitado, pois ele acaba de levá-lo de volta da morte".


Césaire, não podendo mais resistir, finalmente deixaria o serviço de um rei da terra para servir somente ao Rei do céu. Deus não lhe deu tempo para completar seu sacrifício. O piedoso médico morreu nos primeiros dias de 369, deixando os pobres para seus herdeiros.

A Ilha dos Náufragos – Louis Even "A Ilha do Naufrágio", um conto subversivo em 20 capítulos, foi um de seus primeiros escritos e continua sendo um dos mais populares para entender a criação do dinheiro.Uma fábula social que não perdeu nada de sua relevância, como nossos leitores poderão ver.Boa leitura!

Louis Even (23 de março de 1885 - 27 de setembro de 1974) foi um impressor, clérigo e propagandista franco-canadense. Ele é conhecido principalmente por ter introduzido o crédito social no Canadá Francês. Hoje, ele é mais lembrado como um panfletário radical, um grande oponente do sistema financeiro moderno e seus abutres profissionais.
"A Ilha do Naufrágio", um conto subversivo em 20 capítulos, foi um de seus primeiros escritos e continua sendo um dos mais populares para entender a criação do dinheiro.
Uma fábula social que não perdeu nada de sua relevância, como nossos leitores poderão ver.
Boa leitura!

1. Salvo do naufrágio

Uma explosão destruiu o barco deles. Todos pegaram as primeiras peças flutuantes que apareceram. Cinco acabaram se reunindo neste naufrágio, que as ondas levaram à vontade. Nenhuma notícia dos outros companheiros do naufrágio. Durante horas, longas horas, eles vasculharam o horizonte: algum navio em viagem os veria? Será que sua jangada improvisada iria parar em alguma praia hospitaleira? De repente, um grito ecoou: Terra! Terra ali, veja! Exatamente na direção em que as ondas estão nos empurrando! E à medida que a linha da costa toma forma, as figuras florescem. São cinco: François, o carpinteiro alto e vigoroso que primeiro gritou: Terra! Paulo, fazendeiro; É ele que você vê na frente, à esquerda, de joelhos, uma mão no chão, a outra pendurada na estaca do naufrágio; Jacques, especialista em criação de animais: é o homem das calças listradas que, de joelhos no chão, olha na direção indicada; Henri, o agrônomo e horticultor um pouco corpulento, sentado em uma mala que escapou do naufrágio; Thomas, o garimpeiro mineralógico, é o cara que está atrás, com uma mão no ombro do carpinteiro.

2. Uma ilha providencial

Para os nossos homens, pisar novamente em terra firme é um retorno à vida. Depois de secos e aquecidos, seu primeiro desejo é conhecer esta ilha onde estão jogados para longe da civilização. Eles chamam essa ilha de Ilha do Naufrágio. Um passeio rápido realiza suas esperanças. A ilha não é um deserto árido. Eles são os únicos homens que vivem lá atualmente. Mas outros devem ter vivido lá antes deles, a julgar pelos restos de rebanhos meio selvagens que encontraram aqui e ali. Jacques, o criador, diz que poderá melhorá-los e obter um bom rendimento deles. Quanto ao solo da ilha, Paul o considera muito adequado para o cultivo. Henry descobriu árvores frutíferas lá, das quais ele espera obter grande lucro. François notou acima de tudo as belas áreas florestais, ricas em madeira de todos os tipos: será uma brincadeira cortar árvores e construir abrigos para a pequena colônia. Quanto ao garimpeiro Thomas, o que lhe interessava era a parte mais rochosa da ilha. Ele observou vários sinais indicando um subsolo ricamente mineralizado. Apesar da falta de ferramentas sofisticadas, Thomas acredita ter iniciativa e desenvoltura suficientes para transformar o minério em metais úteis. Todos poderão, portanto, se dedicar às suas atividades favoritas para o bem de todos. Todos são unânimes em elogiar a Providência pelo desfecho relativamente feliz de uma grande tragédia.

3. Verdadeiras riquezas

E aqui estão nossos homens trabalhando. Casas e móveis vêm do trabalho do carpinteiro. No início, nos contentávamos com comida primitiva. Mas logo os campos produzem e o lavrador tem colheitas. À medida que as estações se sucedem, o patrimônio da ilha é enriquecido. Ele se enriquece, não com ouro ou papel gravado, mas com riquezas reais: coisas que alimentam, que vestem, que abrigam, que suprem necessidades. A vida nem sempre é tão doce quanto eles gostariam. Eles sentem falta de muitas coisas às quais estavam acostumados na civilização. Mas o destino deles pode ser muito mais triste.

Além disso, eles já passaram por momentos de crise no Canadá. Eles se lembram da privação que sofreram quando as lojas ficavam superlotadas a apenas dez passos de suas portas. Pelo menos na Ilha do Náufrago, ninguém os condena a assistir as coisas que eles precisam apodrecendo diante de seus olhos. Então os impostos são desconhecidos. As vendas do xerife não são motivo de preocupação. Se às vezes o trabalho é difícil, pelo menos temos o direito de aproveitar os frutos do nosso trabalho. No geral, aproveitamos a ilha, bendizendo a Deus, na esperança de um dia podermos reencontrar nossos pais e amigos, com dois grandes bens preservados: a vida e a saúde.

4. Uma grande desvantagem

Nossos homens frequentemente se reúnem para discutir seus negócios. No sistema econômico muito simplificado que praticam, uma coisa os incomoda cada vez mais: eles não têm nenhum tipo de moeda. A troca direta de bens por bens tem suas desvantagens. Os produtos a serem trocados nem sempre estão opostos um ao outro ao mesmo tempo. Assim, a madeira entregue ao agricultor no inverno só pode ser reembolsada em vegetais em seis meses. Às vezes, também, é um item grande entregue de uma só vez por um dos homens, e ele gostaria em troca de várias coisas pequenas produzidas por vários outros homens, em momentos diferentes. Tudo isso complica os negócios. Se houvesse dinheiro em circulação, todos venderiam seus produtos aos outros por dinheiro. Com o dinheiro recebido, ele compraria dos outros as coisas que quisesse, quando quisesse e elas estivessem lá. Todos concordam sobre a conveniência que um sistema monetário seria. Mas nenhum deles sabe como estabelecer uma. Eles aprenderam como produzir riquezas reais, coisas. Mas eles não sabem fazer placas, dinheiro. Eles não sabem como o dinheiro começa, e como fazê-lo começar quando não há nenhum e decidimos juntos ter algum... Muitos homens educados seriam sem dúvida tão

envergonhado; todos os nossos governos duraram dez anos antes da guerra. A única coisa que faltava ao país era dinheiro, e o governo permaneceu paralisado pelo problema.

5. Chegada de um refugiado

Uma noite, enquanto os nossos homens estavam sentados na praia, a reflectir sobre este problema pela centésima vez, viram de repente um barco a remos a aproximar-se, remado por um único barco.

homem. Corremos para ajudar o novo náufrago. Nós lhe damos os primeiros socorros e conversamos. Ficamos sabendo que ele também escapou de um naufrágio, do qual é o único sobrevivente. Seu nome: Martin Golden. Felizes por ter outro companheiro, nossos cinco homens o receberam calorosamente e lhe mostraram a colônia.

— "Embora perdidos e distantes do resto do mundo", disseram-lhe, "não somos nada dignos de pena. A terra produz bem; a floresta também. "Só nos falta uma coisa: não temos moeda para facilitar a troca dos nossos produtos."

— “Abençoada seja a oportunidade que me traz aqui! Martin responde. Dinheiro não tem mistério para mim. Sou banqueiro e posso criar para você em pouco tempo um sistema monetário que irá satisfazê-lo."

Um banqueiro!… Um banqueiro!… Um anjo vindo diretamente do céu não poderia ter inspirado mais reverência. Em países civilizados, não estamos acostumados a nos curvar aos banqueiros que controlam as pulsações das finanças?

6. O Deus da Civilização

— “Sr. Martin, como o senhor é banqueiro, não trabalhará na ilha. Você só vai cuidar do nosso dinheiro."

— "Farei isso com a satisfação, como qualquer banqueiro, de forjar prosperidade comum."

— “Sr. Martin, nós construiremos uma casa digna de você. Enquanto isso, podemos acomodá-lo no prédio que é usado para nossas reuniões públicas?

— “Muito bem, meus amigos. Mas comecemos por descarregar os pertences do barco que consegui salvar no naufrágio: uma pequena prensa, papel e acessórios, e

especialmente um barril pequeno que você tratará com muito cuidado." Nós descarregamos tudo. O pequeno barril desperta a curiosidade do nosso corajoso povo.

— "Este barril", declarou Martin, "é um tesouro sem igual. Está cheio de ouro!” Cheio de ouro! Cinco almas quase escaparam de cinco corpos. O deus da civilização entrou na Ilha dos Náufragos. O deus amarelo, sempre escondido, mas poderoso, terrível, cuja presença, ausência ou os menores caprichos podem decidir a vida de 100 nações!

- "Ouro!" Sr. Martin, um verdadeiro grande banqueiro! Receba nossa homenagem e nossos juramentos de lealdade.”

— “Ouro para um continente inteiro, meus amigos. Mas não é ouro que vai circular. O ouro deve ser escondido: o ouro é a alma de todo dinheiro sólido. A alma deve permanecer invisível. Vou explicar tudo isso a você dando-lhe algum dinheiro."

7. Um enterro sem testemunhas

Antes de partir para a noite, Martin faz uma última pergunta:

— "Quanto dinheiro você precisaria na ilha para começar, para que o comércio funcione bem?"

Nós olhamos um para o outro. Consultamos humildemente o próprio Martin. Com as sugestões do benevolente banqueiro, concorda-se que US$ 200 para cada um parece suficiente para começar. Encontro marcado para a noite seguinte. Os homens se retraem, trocam reflexões emocionais entre si, vão dormir tarde,

adormecer somente pela manhã, depois de ter sonhado muito tempo com ouro com os olhos abertos. Martin, por sua vez, não perde tempo. Ele esquece seu cansaço e pensa apenas em seu futuro como banqueiro. Ao amanhecer, ele cava um buraco, rola seu barril para dentro dele, cobre-o com terra, esconde-o sob tufos de grama cuidadosamente colocados e até transplanta um pequeno arbusto para esconder todos os vestígios. Então ele começa a trabalhar em sua pequena impressora, imprimindo mil notas de um dólar. Ao ver as notas novas saindo de sua prensa, ele pensou consigo mesmo:

— “Como esses ingressos são fáceis de fazer!” Eles derivam seu valor dos produtos que costumam comprar. Sem produtos, os ingressos não teriam valor. Meus cinco clientes ingênuos não pensam nisso. Eles acreditam que é o ouro que garante as piastras. Eu os mantenho por sua ignorância!”

Quando a noite chegou, os cinco correram até Martin.

8. Para quem vai o dinheiro novo?

Havia cinco maços de notas sobre a mesa.

— "Antes de distribuir esse dinheiro a vocês", disse o banqueiro, "precisamos chegar a um acordo. “O dinheiro é baseado em ouro. O ouro, colocado no cofre do meu banco, é meu. Então o dinheiro é meu… Ah! não fique triste. Eu lhe emprestarei esse dinheiro e você poderá usá-lo como quiser. Enquanto isso, cobrarei apenas os juros. Como o dinheiro é escasso na ilha, já que não há nenhum, acho que estou sendo razoável ao pedir uma pequena taxa de juros de apenas 8%.

— “De fato, Sr. Martin, o senhor é muito generoso.

— “Um último ponto, meus amigos. Negócios são negócios, mesmo entre grandes amigos. Antes de receber seu dinheiro, cada um de vocês assinará este documento: é o compromisso de cada um de vocês de reembolsar o capital e os juros, sob pena de confisco por mim de seus bens. Oh! uma garantia simples. Não tenho desejo de ter sua propriedade para sempre, estou satisfeito com dinheiro. Tenho certeza de que você ficará com sua propriedade e me devolverá o dinheiro.

— "Isso faz todo o sentido, Sr. Martin. Redobraremos nossos esforços e retribuiremos tudo."

- "É isso. E volte a falar comigo sempre que tiver algum problema. O banqueiro é o melhor amigo de todos... Agora, aqui estão duzentos dólares para cada um de vocês."

E nossos cinco homens saem encantados, com as mãos e as cabeças cheias de piastras.

9. Um problema aritmético

O dinheiro de Martin circulou pela ilha. As trocas se multiplicaram e se tornaram mais simples. Todos se alegram e cumprimentam Martin com respeito e gratidão. No entanto, o garimpeiro está preocupado. Seus produtos ainda são clandestinos. Ele só tem algumas piastras no bolso. Como pagar o banqueiro na próxima data de vencimento? Depois de quebrar a cabeça por um longo tempo sobre seu problema individual, Thomas o aborda socialmente: "Considerando toda a população da ilha", ele pensa,

Conseguimos cumprir nossos compromissos? Martin ganhou um total de US$ 1.000. Ele está nos pedindo um total de US$ 1.080. Mesmo se pegássemos todo o dinheiro da ilha para levar até ele, seriam 1.000, não 1.080. Ninguém ganhou os US$ 80 extras. Nós fazemos coisas, não dólares. Martin poderá, portanto, apoderar-se de toda a ilha, porque todos juntos não podemos pagar o capital e os juros. "Se aqueles que são capazes se pagarem sem se importar com os outros, alguns cairão imediatamente, outros sobreviverão. Mas chegará a vez dos outros e o banqueiro tomará tudo. É melhor nos unirmos imediatamente e resolver essa questão socialmente." Thomas não tem dificuldade em convencer os outros de que Martin os enganou. Concordamos com uma reunião geral com o banqueiro.

10. Boa vontade do banqueiro

Martin adivinha o estado de espírito deles, mas finge ser corajoso. O impulsivo François apresenta o caso:

— “Como podemos trazer $ 1.080 para você quando só há $ 1.000 em toda a ilha?”

— "É esse o ponto, meus bons amigos. Sua produção não aumentou?

— "Sim, mas o dinheiro em si não aumentou. Mas é justamente dinheiro que você está exigindo, não produtos. Só você pode ganhar dinheiro. Mas você só ganha US$ 1.000 e pede US$ 1.080. "É impossível!"

— “Esperem, meus amigos. Os banqueiros sempre se adaptam às condições, para o bem maior do público… Só vou pedir juros. Apenas US$ 80. Você continuará mantendo o capital."

— “Você nos perdoa a nossa dívida?”

— “Não, não.” Lamento, mas um banqueiro nunca perdoa uma dívida. Você ainda vai me dever todo o dinheiro que emprestou. Mas você só me dará os juros a cada ano, não vou pressioná-lo para o reembolso do capital. Alguns de vocês podem não conseguir pagar nem os juros, porque o dinheiro vai de um para outro. Mas organizem-se em uma nação e concordem com um sistema de coleta. Isso se chama tributação. Vocês tributarão mais aqueles que têm mais dinheiro, menos os outros. Contanto que vocês coletivamente me tragam todo o lucro, ficarei satisfeito e sua nação ficará bem."

Nossos homens recuam, meio calmos, meio pensativos.

11. Êxtase de Martin Golden

Martin está sozinho. Ele se recompõe. Ele conclui: “Meu negócio é bom. Esses homens são bons trabalhadores, mas ignorantes. A ignorância e a credulidade deles são minha força. Eles queriam dinheiro, eu lhes dei correntes. Eles me cobriram de flores enquanto eu as enrolava. "Oh! grande banqueiro, sinto seu gênio bancário tomando conta do meu ser. Você disse bem, ilustre mestre: "Conceda-me o controle da moeda de uma nação e não me importarei com quem faz suas leis." Eu sou o mestre da Ilha dos Náufragos, porque controlo seu sistema monetário. “Eu poderia controlar um universo. O que faço aqui, eu, Martin Golden, posso fazer em qualquer lugar do mundo. Deixe-me um dia deixar esta ilha: eu sei como governar o mundo sem segurar um cetro." E toda a estrutura do sistema bancário está diante da mente encantada de Martin.

12. Crise do custo de vida

No entanto, a situação está piorando na Ilha Castaway. Embora a produtividade esteja aumentando, o comércio está desacelerando. Martin desperta seu interesse regularmente. Você deveria considerar reservar algum dinheiro para ele. O dinheiro fica retido, ele circula mal. Aqueles que pagam mais impostos gritam com os outros e aumentam os preços para compensar. Os mais pobres, que não pagam impostos, reclamam do alto custo de vida e compram menos. O moral cai, a alegria de viver desaparece. Não temos mais ânimo para trabalhar. Qual é o objetivo? Os produtos estão vendendo mal; e quando eles vendem, você tem que pagar impostos para Martin. Nós nos privamos. É a crise. E cada um acusa o seu próximo de falta de virtude e de ser a causa do alto custo de vida. Um dia, Henry, refletindo no meio de seus pomares, concluiu que o "progresso" trazido pelo sistema monetário dos banqueiros havia estragado tudo na Ilha. Certamente, todos os cinco homens têm seus defeitos; mas o sistema de Martin alimenta tudo o que há de pior na natureza humana. Henry decide convencer e reunir seus companheiros. Começa com Jacques. É feito rapidamente: "Ei! disse Jacques, eu não sou um estudioso; mas eu já sentia isso há muito tempo: o sistema desse banqueiro é mais podre do que o esterco do meu estábulo na primavera passada!" Todas são vencidas uma após a outra, e uma nova entrevista com Martin é decidida.

13. No falsificador de correntes

Foi uma tempestade no banqueiro:

— "O dinheiro é escasso na ilha, senhor, porque o senhor o está tirando de nós. Você é pago, é pago e continua sendo pago tanto quanto no começo. Trabalhamos, tornamos as terras mais bonitas e aqui estamos numa situação pior do que antes da sua chegada. Dívida! Dívida! Dívida sobre o

cabeça!"

— “Vamos, meus amigos, vamos raciocinar um pouco. Se suas terras são mais bonitas, é graças a mim. Um bom sistema bancário é o maior patrimônio de um país. Mas para se beneficiar disso, você deve, acima de tudo, manter a confiança no banqueiro. Venha a mim como um pai… Você quer mais dinheiro? Tudo bem. Meu barril de ouro vale muitas vezes mil dólares… Aqui, vou hipotecar suas novas propriedades e emprestar outros mil dólares imediatamente.”

— “Duas vezes mais dívida? O dobro de juros para pagar todo ano, sem fim?

— “Sim, mas eu lhe emprestarei mais, desde que você aumente sua riqueza fundiária; e você nunca me dará nada além de juros. Você acumulará os empréstimos; você chamará isso de dívida consolidada. Dívida que pode crescer de ano para ano. Mas sua renda também. Com meus empréstimos, você desenvolverá seu país.”

— "Então, quanto mais o nosso trabalho fizer a ilha produzir, mais a nossa dívida total aumentará?"

— “Como em todos os países civilizados. A dívida pública é um barômetro da prosperidade.”

14. O lobo come os cordeiros

— "É isso que o senhor chama de dinheiro sólido, Sr. Martin? Uma dívida nacional que se tornou necessária e impagável não é saudável, ela é doentia."

— "Senhores, qualquer moeda sólida deve ser baseada em ouro e deixar o banco em estado de dívida. A dívida nacional é uma coisa boa: ela coloca; governos sob a sabedoria incorporada pelos banqueiros. Como banqueiro, sou um farol de civilização na sua ilha."

— "Sr. Martin, somos apenas ignorantes, mas não queremos essa civilização aqui. Nunca mais lhe pediremos emprestado um centavo. Moeda sólida ou não, não queremos mais fazer negócios com você."

— “Lamento esta decisão desajeitada, senhores. Mas se você terminar comigo, eu tenho suas assinaturas. "Pague-me tudo imediatamente, principal e juros."

— "Mas isso é impossível, senhor. Mesmo que lhe déssemos todo o dinheiro da ilha, não estaríamos quites."

— "Não consigo evitar. Você assinou, sim ou não? Sim? Bem, em virtude da santidade dos contratos, eu apreendo todas as suas propriedades prometidas, conforme acordado entre nós, na época em que você estava tão satisfeito em me receber. Você não quer servir ao poder supremo do dinheiro voluntariamente, você o servirá pela força. Você continuará a explorar a ilha, mas para mim e nos meus termos. Vamos. "Eu lhe darei minhas ordens amanhã."

15. Controle de mídia

Assim como Rothschild, Martin sabe que quem controla o sistema monetário de uma nação controla essa nação. Mas ele também sabe que para manter esse controle, ele deve manter as pessoas na ignorância e entretê-las com outras coisas. Martin observou que dos cinco habitantes da ilha, dois são conservadores e três são liberais. Ela aparece nas conversas dos cinco, à noite, principalmente desde que eles se tornaram seus escravos. Há uma discussão entre azuis e vermelhos. De vez em quando, Henri, menos partidário, sugere uma força entre o povo para pressionar os governantes... Uma força perigosa para qualquer ditadura. Martin, portanto, se esforçará para envenenar a discórdia política o máximo possível. Ele usa sua pequena editora e publica dois jornais semanais: "Le Soleil", para os vermelhos; “A Estrela”, para o Blues. "Le Soleil" diz em substância: Se vocês não são mais donos da sua própria casa, é por causa dessas dívidas azuis, sempre atoladas em juros altos. "L'Étoile" diz em essência: Sua dívida nacional é obra dos condenados: vermelhos, sempre prontos para aventuras políticas. E nossos dois grupos políticos estão brigando ainda mais, esquecendo do verdadeiro falsificador de correntes, o controlador do dinheiro, Martin.

16. Um naufrágio precioso

Um dia, Thomas, o garimpeiro, descobre, encalhado no fundo de uma enseada, no fim da ilha e coberto por grama alta, um bote salva-vidas, sem remos, sem nenhum outro vestígio de serviço além de uma caixa razoavelmente bem preservada. Ele abre a caixa: além de alguns lençóis e alguns itens pequenos, sua atenção se detém em um álbum bastante bem organizado, intitulado:

Primeiro ano de Vers Demain

Curioso, nosso homem se senta e abre este volume. Ele lê. Ele devora. Acende:

"Mas", ele grita, "isso é o que deveríamos ter sabido há muito tempo.

"O dinheiro não deriva seu valor do ouro, mas dos produtos que o dinheiro compra.

“O dinheiro pode ser uma contabilidade simples, com créditos passando de uma conta para outra de acordo com compras e vendas. Dinheiro total em relação à produção total.

"Qualquer aumento na produção deve corresponder a um aumento equivalente em dinheiro... Nenhum juro é pago sobre o dinheiro que nasce... Progresso representado, não por uma dívida pública, mas por um dividendo igual a cada... Preços, ajustados ao poder de compra por um coeficiente de preço. Crédito Social…»

Thomas não aguenta mais. Ele se levanta e corre, com seu livro, para compartilhar sua esplêndida descoberta com seus quatro companheiros.

17. Dinheiro, contabilidade simples

E Thomas se instalou como professor: "Aqui", disse ele, "está o que poderia ter sido feito, sem o banqueiro, sem ouro, sem assinar nenhuma dívida. “Estou abrindo uma conta em nome de cada um de vocês. À direita, os créditos, que vão sendo acrescentados à conta; à esquerda, as vazões, que a diminuem. “Cada um de nós queria US$ 200 para começar. Por acordo mútuo, vamos decidir creditar US$ 200 em cada pessoa. Todos têm imediatamente US$ 200. “François compra os produtos de Paul por US$ 10. Eu subtraio 10 de François, ele tem 190 restantes. Eu adiciono 10 a Paul, ele agora tem 210. "Jacques compra de Paul por $8. Eu subtraio 8 de Jacques, ele fica com 192. O próprio Paul vai até 218. “Paul compra madeira de François, por US$ 15. Eu subtraio 15 de Paul, ele fica com 203; Acrescento 15 a François, ele volta para 205. "E assim por diante; de uma conta para outra, assim como notas de dinheiro vão de um bolso para outro. "Se um de nós precisa de dinheiro para aumentar sua produção, abrimos o crédito necessário para ele, sem juros. Ele devolve o crédito quando a produção é vendida. O mesmo vale para obras públicas. "Também aumentamos periodicamente as contas de todos em uma quantia adicional, sem tirar nada de ninguém, de acordo com o progresso social. Este é o dividendo nacional. O dinheiro é, portanto, um instrumento de serviço.

18. Desespero do banqueiro

Todos entenderam. A pequena nação se tornou creditista social. No dia seguinte, o banqueiro Martin recebe uma carta assinada por todos os cinco:

“Senhor, o senhor nos endividou e nos explorou sem necessidade alguma. Não precisamos mais de você para governar nosso sistema monetário. Agora teremos todo o dinheiro que precisamos, sem ouro, sem dívidas, sem ladrões. Estabelecemos imediatamente o sistema de Crédito Social na Ilha Castaway. O dividendo nacional substituirá a dívida nacional. Se você insistir no seu reembolso, podemos devolver todo o dinheiro que você nos pagou, não

mais. Você não pode reivindicar o que não fez. »

Martin está desesperado. É o seu império que está entrando em colapso. Os cinco se tornaram credores, não havendo mais mistério de dinheiro ou crédito para eles.

“O que fazer? Peça perdão a eles, torne-se como um deles? Eu, um banqueiro, fazendo isso?… Não. Tentarei viver sem eles e separados."

19. Decepção Atualizada

Para se protegerem de possíveis reivindicações futuras, nossos homens decidiram fazer com que o banqueiro assinasse um documento declarando que ele ainda possuía tudo o que tinha quando chegou à ilha. Daí o inventário geral: o barco, a pequena prensa e… o famoso barril de ouro. Martin teve que apontar o local, e o barril foi desenterrado. Nossos homens o tiraram do buraco com muito menos respeito dessa vez. O Crédito Social os ensinou a desprezar o fetiche do ouro. O garimpeiro, levantando o barril, descobre que, para ouro, ele não pesa muito: "Duvido muito que este barril esteja cheio de ouro", diz ele. O impetuoso François não hesita mais. Um golpe de machado e o barril revela seu conteúdo: ouro, nem uma onça! Pedras — simplesmente pedras sem valor!…

Nossos homens não conseguem acreditar:

— "Pensar que ele nos deixou tão perplexos, o miserável! Tivemos que ser tão crédulos a ponto de cair em êxtase diante da simples palavra OURO!

— "Pensar que prometemos todas as nossas propriedades a ele em troca de pedaços de papel baseados em quatro pás de pedras! Um ladrão e um mentiroso!”

— “Pensar que ficamos de mau humor e nos odiamos por meses e meses por tal engano! O demônio!”

Assim que François levantou seu machado, o banqueiro partiu a toda velocidade em direção à floresta.

20. Adeus à Ilha do Náufrago

Ninguém mais ouviu falar de Martin desde que seu barril foi rasgado e sua farsa foi executada. Mas, algum tempo depois, um navio que se desviou da rota normal, tendo notado sinais de habitação nesta ilha não registrada, ancorou na costa. Nossos homens descobrem que o navio está navegando em direção à América. Eles decidem levar seus pertences mais portáteis e retornar ao seu país. Acima de tudo, eles querem levar consigo o famoso álbum "Première Année de Vers Demain", que os libertou das garras do financista Martin e que colocou uma luz inextinguível em suas mentes. Todos os cinco prometem entrar em contato com a gerência do Vers Demain e com a boa causa do Crédito Social quando retornarem ao país.

Louis Even – Young Nation – Rumo ao Amanhã

Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II

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